3.6.09
Amazônia underground
Uma história do mesmo universo da noveleta Cidade Phantástica
Por Romeu Martins
Percy Harrison Fawcett me disse que sentia que ainda morreria na Amazônia. Caso eu não encontrasse um meio de ajudá-lo aquele seria o dia: o jovem explorador seria fatiado pelo homem contratado para guiá-lo naquela floresta. Torres tinha sido um caçador de negros muitos anos atrás, antes da abolição da escravatura no Brasil. Nunca confiei nele, com suas cicatrizes de cortes espalhadas pelo corpo, mas não esperava que o desgraçado fosse provocar a explosão do túnel, logo depois de deixar a caverna, me deixando desarmado e isolado. Sobrevivi porque o capacete protegeu minha cabeça do deslizamento.
As pedras barravam a passagem, deixando só uma fresta por onde eu enxergava o traidor ameaçar o garoto no lado de fora. Maldita hora em que J. Neil Gibson inventou aquela expedição! O americano ficou milionário por descobrir ouro na Amazônia quando jovem. Mas ele queria mais. Usou dinheiro para convencer o aventureiro inglês a buscar novas riquezas debaixo da mata. O ambicioso escravista brasileiro fazia o mesmo, mas usando um facão de lâmina larga, chamado machete: obrigava o rapaz a lhe contar a localização de um veio de diamantes.
Como me meti naquilo? Por sorte ou azar, conheci Gibson duas décadas atrás. Eu tinha acabado de entrar para a polícia ferroviária brasileira e salvei a vida dele no Rio de Janeiro. Minha recompensa, tantos anos depois: fez questão que eu participasse daquela empreitada. Como ele é senador nos EUA, influente junto à corte do Império do Brasil, virei voluntário contra a vontade. Todos me chamam de João Fumaça. Não é meu nome verdadeiro: minha mãe me deu à luz em um trem a vapor na Inglaterra. Sou conterrâneo de Fawcett, mas eu vim de um vilarejo chamado Wold Newton, cujo único acontecimento memorável foi uma pedra que despencou dos céus lá, 45 anos antes de meu nascimento.
Lembrar do meteorito me deu uma ideia. Como eu disse, a explosão me desarmara, tirando o capacete de exploração subterrânea, só me restava uma picareta. Ela não seria suficiente para abrir caminho pelas pedras, mas tenho meus truques. Os engenheiros que projetaram o capacete instalaram um tanque de oxigênio para eu respirar em ambientes fechados. Não era o caso daquela galeria, mesmo assim o cilindro seria útil. Eu o tirei das costas, desatei da mangueira que o prendia à máscara e o posicionei no buraco.
Sem aquela abertura eu ficaria na escuridão não fosse outra engenhosidade, a vela elétrica embutida no capacete. Graças ao brilho artificial, pude erguer a picareta e golpear a válvula de segurança do cilindro. Não foi o bastante. Provoquei faíscas que, não fossem os óculos de proteção, teriam furado meus olhos. Torres certamente ouvira o badalo. Meu segundo golpe teria que ser certeiro.
E foi: abriu o lacre e libertou o oxigênio comprimido. O assobio lembrava um furacão, como se fosse um foguete chinês, o tubo alçou voo. Meu projétil improvisado só parou depois de quebrar a coluna do assassino. Foi assim que Percy Harrison Fawcett sobreviveu à sua primeira aventura amazônica.
Por Romeu Martins
Percy Harrison Fawcett me disse que sentia que ainda morreria na Amazônia. Caso eu não encontrasse um meio de ajudá-lo aquele seria o dia: o jovem explorador seria fatiado pelo homem contratado para guiá-lo naquela floresta. Torres tinha sido um caçador de negros muitos anos atrás, antes da abolição da escravatura no Brasil. Nunca confiei nele, com suas cicatrizes de cortes espalhadas pelo corpo, mas não esperava que o desgraçado fosse provocar a explosão do túnel, logo depois de deixar a caverna, me deixando desarmado e isolado. Sobrevivi porque o capacete protegeu minha cabeça do deslizamento.
As pedras barravam a passagem, deixando só uma fresta por onde eu enxergava o traidor ameaçar o garoto no lado de fora. Maldita hora em que J. Neil Gibson inventou aquela expedição! O americano ficou milionário por descobrir ouro na Amazônia quando jovem. Mas ele queria mais. Usou dinheiro para convencer o aventureiro inglês a buscar novas riquezas debaixo da mata. O ambicioso escravista brasileiro fazia o mesmo, mas usando um facão de lâmina larga, chamado machete: obrigava o rapaz a lhe contar a localização de um veio de diamantes.
Como me meti naquilo? Por sorte ou azar, conheci Gibson duas décadas atrás. Eu tinha acabado de entrar para a polícia ferroviária brasileira e salvei a vida dele no Rio de Janeiro. Minha recompensa, tantos anos depois: fez questão que eu participasse daquela empreitada. Como ele é senador nos EUA, influente junto à corte do Império do Brasil, virei voluntário contra a vontade. Todos me chamam de João Fumaça. Não é meu nome verdadeiro: minha mãe me deu à luz em um trem a vapor na Inglaterra. Sou conterrâneo de Fawcett, mas eu vim de um vilarejo chamado Wold Newton, cujo único acontecimento memorável foi uma pedra que despencou dos céus lá, 45 anos antes de meu nascimento.
Lembrar do meteorito me deu uma ideia. Como eu disse, a explosão me desarmara, tirando o capacete de exploração subterrânea, só me restava uma picareta. Ela não seria suficiente para abrir caminho pelas pedras, mas tenho meus truques. Os engenheiros que projetaram o capacete instalaram um tanque de oxigênio para eu respirar em ambientes fechados. Não era o caso daquela galeria, mesmo assim o cilindro seria útil. Eu o tirei das costas, desatei da mangueira que o prendia à máscara e o posicionei no buraco.
Sem aquela abertura eu ficaria na escuridão não fosse outra engenhosidade, a vela elétrica embutida no capacete. Graças ao brilho artificial, pude erguer a picareta e golpear a válvula de segurança do cilindro. Não foi o bastante. Provoquei faíscas que, não fossem os óculos de proteção, teriam furado meus olhos. Torres certamente ouvira o badalo. Meu segundo golpe teria que ser certeiro.
E foi: abriu o lacre e libertou o oxigênio comprimido. O assobio lembrava um furacão, como se fosse um foguete chinês, o tubo alçou voo. Meu projétil improvisado só parou depois de quebrar a coluna do assassino. Foi assim que Percy Harrison Fawcett sobreviveu à sua primeira aventura amazônica.
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5 comentários:
Curto, direto e aventuresco! Gostei =)
E aí, quando sai o resultado da competição?
Aproveito para deixar os parabéns do aniversário do blog =)
Bjos
Oi, Gi :-)
Que bom que tenha gostado, eu curti muito escrever essa continuação 20-anos-depois.
O resultado da competição já saiu, ganhou um americano chamado Terry Sofian e o texto do cara é muito bom. Dá uma lida em http://tombanwell.blogspot.com/
(sei que tô te devendo a resposta a um email, mas já-já ponho em dia minha caixa postal)
Muito legal, Romeu! Um conto rápido e muito eficiente. Você tem a manha de falar de coisas complexas de forma simples, sem ser trivial. Há uma certa frieza na sua narrativa que barra excessos dramáticos e deixa o leitor de posse apenas dos fatos. Sim, foi um elogio. Rs!
hehe, brigadão, então ;-)
É que fui limitado pelo tamanho proposto pelo organzador do concurso: 500 palavras. Haja poder de síntese...
Gostei do texto. Tenho, porém, uma crítica, que vejo que pode ser parcialmente explicada pelo limite proposto pelo organizador do concurso:
"o capacete-canivete-gambiarra-suíço"...
não que eu critique o fato dele ser 'o capacete do magaiver' (já que ele parece bem verossímil), mas sim pela forma como você foi apresentando as diversas 'funcionalidades' do capacete...
ou seja, é uma crítica à tessitura do texto. Eu tive a impressão de que sua escrita ficou cheia de 'gambiarras'... com as ditas funções surgindo repentinamente e convenientemente demais em momentos por demais exatos... ou seja, a costura do texto ficou meio rude... o texto ficou rugoso, não tão liso e natural, se é que assim me faço compreeender.
Fora isso, ele deixa um gosto de quero mais! haha
Abraços!
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