16.5.09

Paradigmas II - a primeira resenha

Por Camila Fernandes

Não tenho o hábito de escrever resenhas, mais por falta de tempo e preguiça do que pela idéia em si. Mas depois de novamente revisar um livro inteiro não posso perder a oportunidade de soltar a primeira resenha de Paradigmas – volume 2, lançado ontem, 15 de maio, no já consagrado Bardo Batata!

Este livro se diferencia do primeiro por trazer uma quantidade maior de contos com um pé (ou os dois) na FC e mais alguns contos de época. A diversidade de temas permanece e se manifesta especialmente nos personagens: temos detetives particulares, cavaleiros medievais, garotinhos curiosos, prostitutas, frades, seres antropomórficos mas inumanos, vampiros, lobisomens e até um gato. Vamos ver um pouco mais do que nos espera, conto por conto:

Ataíde Tartari abre o volume com uma ficção futurista e detetivesca narrada em primeira e irônica pessoa: Ricardo Edgar, detetive particular. Estão lá a loura misteriosa e o detetive com pouco serviço, mas também a reviravolta inesperada da trama e as facilidades de uma sociedade altamente tecnológica para a qual estamos caminhando. Uma quedra de paradigmas noir-high-tech.

O pequeno Oenteph é um conto narrado por um avô ao seu neto como uma aventura autobiográfica: quando era rapaz, fez uma excursão a um local curioso que mudou sua forma de enxergar a vida. Em tom nostáligico e sonhador, o autor Raul Tabajara fala de um mundo onírico, separado do nosso e ao mesmo tempo presente em cada um de nós.

Flávio Medeiros escreveu uma ficção científica acessível e imprevisível em Efeitos adversos, onde um cientista vê seu corpo se distorcer e mudar contra sua vontade. Ao lê-la, é impossível não pensar no Doutor Jeckyl se tornando Mister Hyde ou no Doutor Banner virando o Hulk. Mas Medeiros vai além, mostrando-se um autor criativo e bem-humorado.

Entrei no volume com o conto A boa senhora de Covent Garden, uma história gótica urbana com toques de sobrenatural. Escolhi como ambiente a Londres do século 17 e, como protagonista, uma prostituta que não é nem heroína nem mártir, mas uma moça ambiciosa que adora seu trabalho e não pesa esforços – ou ética – para ganhar um tostão a mais. Picante sem passar do limite, eu espero.

Fuga é uma história acelerada em que Fernando Trevisan faz protagonista e antagonista se defrontarem em uma só pessoa – ou será uma só pessoa que vê o inimigo como espelho? Um conto complexo, instigante, com ritmo forte da primeira à última linha. Ótima ficção científica com profundidade emocional.

Gabriel Boz vem com O deus de muitas faces, uma aventura com sabor de mitologia grega na qual um jovem se vê diante do momento mais importante de sua vida: sua iniciação à vida adulta, na forma de um encontro com o deus misterioso do título, que pode definir os rumos de sua vida e da de sua tribo. Parece que os deuses, assim como os homens, escolhem suas faces conforme a ocasião.

Em Frei François, Ademir Pascale narra em primeira pessoa uma trama medieval, na qual um aventureiro, em viagem por uma cidadezinha no interior da França, se depara com misteriosos assassinatos no mosteiro local e toma para si a missão de deter o autor dos crimes. Mas a tarefa é menos simples do que ele pensa e vai lhe tomar muito mais do que espera, marcando-o para o resto da vida.

Luciana Muniz nos leva para uma viagem às profundezas da Terra em Abaixo de nós. Num ritmo ligeiro, a autora apresenta uma comunidade primitiva de seres semi-humanos que vive numa camada subterrânea do planeta e evita a todo custo um encontro com os seres da superfície, até que um jovem geólogo revolve meter o nariz onde não foi chamado…

Carta a Monsenhor é um conto de horror na Idade Média. Historiadora medievalista, a autora Ana Cristina Rodrigues sabe bem do que está tratando ao nos arrastar pela mão nesta história sobre a Peste Negra, a histeria coletiva, o bem, o mal e seus dirfarces em nosso mundo.

Triângulo em tempo rubato e gota de sangue é um dos mais belos contos deste volume. Saint-Clair Stockler nos brinda com uma trama muito simples na qual a complexidade fica por conta das emoções profundas que a permeiam. Narrando em primeira pessoa, o autor veste a pele de um gato recolhido por uma garota. Com a inserção de um terceiro e indigesto personagem, cria-se um triângulo amoroso de difícil solução. Um conto cheio de sutilezas.

Um nobre cavaleiro aceita arriscar sua vida combatendo o dragão que assola uma cidadezinha medieval. Seria uma trama convencional se alguma coisa aqui fosse o que parece, mas nada é como que se espera em A dama e o cavaleiro. Ricardo Delfin cria uma narrativa elegante na qual o direcionamento clássico é rompido pelas reviravoltas da trama.

Ubiratan Peleteiro vem com O fazedor de terra contar a história de criaturas que evoluíram a partir dos caprinos e criam uma civilização primitiva, limitada pelo medo e pelo apego a tradições. A trama funciona por si só e também como metáfora para a atitude humana de se esconder atrás de costumes e convenções por receio de enfrentar as novidades e a própria evolução natural das sociedades.

Richard Diegues fecha os paradigmas da vez com chave de sangue. Muito sangue. No conto Clausura, o autor e editor começa alia o suspense ao terror e o realismo violento de nossos dias a uma sutileza sobrenatural que torna a leitura ainda mais intrigante. Tudo começa com um seqüestro e deslancha para situações apavorantes. Leitores saudosos de Necrópole encontrarão nestas últimas páginas um bom alimento para sua sede de medo.

Quem sabe depois dessa eu adquira também o excelente hábito de resenhar, já adotado por talentosos escritores da nossa geração, como Cristina Lasaitis, Fernando Trevisan e Romeu Martins.

Os 2 volumes já lançados da coleção Paradigmas podem ser adquiridos na loja virtual da Tarja Editorial ou direto com os autores (inclusive eu!). É só me mandar um e-mail: camilailustradora@gmail.com

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