24.7.09

A Malta do Vapor

O trecho inicial, revisto e revisado, da noveleta Cidade Phantástica
Por Romeu Martins

Estrada de Ferro Gibson-Mauá que liga Manaus ao Rio de Janeiro. Interior do vagão-restaurante do trem puxado pela locomotiva Barão.

— Que ninguém se mova ou a Malta do Vapor vai atirar para matar!

Os quatro homens se levantam ao mesmo tempo de seus lugares, provocando pânico entre os passageiros bem vestidos, justo na hora do almoço. Até então, desde que embarcara na penúltima estação, o quarteto viajava de forma discreta; um em cada extremidade do carro. Agora, com disciplina marcial, sacam armas e erguem lenços para tapar os rostos. O líder dá ordens, primeiro para o parceiro à direita, depois para os outros à sua frente.

— Tu, vem comigo, vamos revistar os homens. Os dois procurem o alvo. E todo mundo quieto! Fechem a boca agora ou vamos fechar por vocês!

Ele e sua sombra executam movimentos de apalpar paletós com uma das mãos enquanto seguram pistolas com a outra. Não hesitam em estapear quem não colabora. Do outro lado, um dos mascarados segura um cartaz com a foto de uma jovem, com a qual o outro compara ao rosto de cada uma das mulheres. Também armados e violentos, arrancam chapéus caríssimos e seguram as mais chorosas pelo queixo.

O líder examina os bolsos de alguém quando desconfia de um sujeito que ocupa sozinho uma mesa de canto, encostado a uma janela aberta. O homem está tossindo com a cabeça baixa, o chapéu impede que se veja sua cara. A roupa é toda de um cinza cor de fuligem. Casacão, camisa, calças e botas, apesar do calor de início de novembro.

— Deixa as mãos longe dos talheres e olha pra mim, magricelo — A arma é erguida a dois palmos da cabeça que se levanta devagar.

— Satisfeito? — Ele encara o mascarado. O rosto é quadrado e uma barba de três dias o deixa com aparência tão cinzenta quanto à do figurino. Pela cara lisa, passaria por uns vinte anos, não fossem fios brancos nos cabelos a dar ao conjunto um derradeiro toque grisalho.

A resposta vem na forma de uma coronhada no queixo, seguido de um empurrão que lhe esfrega o rosto contra o vidro superior da janela veneziana. O atacante sobe no veludo do banco duplo e encosta o cano da arma contra as costelas do homem solitário. O braço livre derruba prato, copo e talheres ao chão e em seguida começa a revistar o desconhecido.

— És o tipo de encrenqueiro que estou a procurar! Se eu encontrar algo de suspeito...

— Espero que isso não inclua meus charutos — O comentário sai esbaforido pela pressão nas costas e pela cara espremida contra a tremulante vidraça do carro em movimento.

De fato, a única coisa além da carteira, um relógio barato e do bilhete de passagem são dois charutos. Tudo aquilo é desprezado e o mascarado alivia a pressão, afastando-se. Ele parece indeciso se deve deixar o homem vivo. O indicador da mão direita encosta no gatilho. Deve disparar ou não?

— Aqui! Encontrei um que carrega revólver.

Quem fala é o outro responsável pela averiguação dos homens. É o que faz a decisão ser tomada. Na mesma hora o mascarado-chefe recua e segue na direção de seu comandado.

Um senhor de meia idade, três mesas adiante, tem os braços erguidos, rendido pelo algoz que agora porta duas armas, uma delas exibida de lado para o líder do bando.

— Um colt? Não é o padrão deles... Há alguma identificação?

— Não. Só a arma — O integrante da Malta do Vapor fala sem tirar os olhos da presa.

— Juro que era só para minha defesa pessoal — choraminga a vítima. — Não sou quem vocês procuram, seja lá quem for. Sou o coronel Ferreira, da antiga fazenda de Araruna...

— Não vamos arriscar. Sempre existe um agente em carros de luxo. Atira —A ordem é dada sem emoção, nem por isso deixa de ser cumprida.

O tiro à queima-roupa abre um pequeno rombo na testa do homem e estoura a base do crânio por trás. Miolos grudam na parede, contrastando com a madeira de lei envernizada a ponto de virar espelho. Gritos em português e espanhol são ouvidos e logo silenciados por novos disparos dados pelo líder em direção ao teto, quase acertando luminárias de cristal. Ele olha para o homem de quem suspeitara e que não parece mais tão confiante, pois se limitando a baixar o rosto em direção às mãos apoiadas na mesa esvaziada.

Um corpo sem vida, com três olhos bem abertos e desalinhados, desaba ao chão.

Novamente, um dos assaltantes armados grita. O aviso parte dos que estavam caçando entre as mulheres e o que fala segura uma jovem pelos cabelos ao lado do fotograma.

— Cá está. Temos a rapariga em mãos.

Os olhos da mulher são nada menos que selvagens. O rosto tem feições indígenas, acentuadas pelo cabelo de um preto brilhante e liso — despenteado pela ausência não-voluntária do chapéu — e seu bronzeado é de um vermelho igual a brasa, realçado pelo vestido branco, de corte europeu, que usa. Mesmo se não fosse o sangue índio a dar tal impressão, o olhar dela não deixaria dúvidas de que se trata de alguém disposto a matar ou morrer. Ela se esforça para não morder, cuspir ou xingar a dupla que lhe aponta pistolas.

— Ótimo, não vamos mais nos demorar. Temos ordens de acabar com a mestiça caso alguém se intrometa — É o chefe da Malta quem fala. — Vamos render o maquinista e...

— Abaixem-se! Você também, garota, para o chão, já!

O berro rouco é do homem acinzentado que, a despeito da revista pela qual passou, segura nas mãos um objeto de cuja ponta rebrilham explosões barulhentas.

Mesmo assustada a mulher obedece. Tão rápido que fios de sua cabeleira continuam nas mãos do mascarado que a prendia. Ele e o que segurava o papel com a estampa da mulher são varejados por balas. Sem soltar gemido, despencam contra uma das paredes.

Reação mesmo cabe à outra dupla. O que estava mais próximo do estranho de cinza dispara contra ele, obrigando-o a se jogar para baixo da mesa. Já o líder corre na direção oposta.

Protegendo a vista da chuva de lascas de madeira, o único homem armado e sem máscara daquele carro volta a fazer mira com seu trabuco. Ele dispara contra a perna esquerda e o ombro direito do bandoleiro. Indiferente à dor, o sujeito continua atirando.

O mascarado só para quando o peito dele se torna o alvo da rajada ininterrupta de balas.

— Vem cá, desgraçada! Saio contigo ou morreremos os dois — O líder da Malta gruda a mão no pescoço da garota e a suspende. — Estás a me ouvir, magricelo? Vais me deixar sair daqui ou eu e esta mulher levaremos bala, sim, mas da minha pistola!

Com meio corpo para fora da proteção do tampo da mesa e com o cano de sua arma soltando lufadas fumegantes feito a locomotiva que puxa aquele vagão, o homem de cinza hesita. Cospe, tosse, pragueja e hesita. O próximo passo, entretanto, não é dado por ele.

A garota suspensa com facilidade pelo captor ergue um braço para trás, às cegas. Todos ouvem o disparo, mesmo os passageiros que se encolheram em seus lugares desde que o tiroteio começou. Ninguém entende nada quando quem desmorona para o lado não é ela.

Só quando a jovem deixa cair uma pistola — recolhida no chão de outro dos seus pretensos captores — é que se percebe que ela não é tão desprotegida quanto aparentava.

— Nunca havia dado um tiro antes — Ela fala devagar olhando a própria mão com nojo.

— Espero que a madame não tenha que se habituar. No mundo em que vivemos, depois que a gente começa, é bem difícil parar — O homem se levanta, olha para os cinco mortos, limpa o sangue que escorre de onde levou a coronhada, e tenta acalmar os outros passageiros. — Está tudo bem, tudo bem. Sou da Polícia dos Caminhos de Ferro.

— Além de policial deve ser mágico — Diz a mulher, a única pessoa além dele em pé. — Como essa espingarda apareceu em suas mãos de uma hora pra outra?

— Espingarda? Este é um fuzil de tiro fixo Guarany, fabricado no Paraguai, arma exclusiva do Império. Uma obra-prima da mecânica: o coice de um tiro engatilha o seguinte. Basta apertar o gatilho uma vez pra disparar até acabarem os cartuchos — O policial recolhe seus pertences novamente para os bolsos do casaco, relógio, carteira; ele para e sente o cheiro dos charutos. — Sou obrigado a fazer meus truques. Já perdi três colegas para este bando de assaltantes. Por isso, quando faço a escolta de um trem, ou até quando estou de carona, chego antes no vagão-restaurante, sento em uma mesa no fundo e penduro o Guarany do lado de fora da janela, preso pela tira. E não uso uniforme ou distintivo. É o jeito de me manter vivo. Que o diga nosso amigo paulista ali, que levou uma bala com o meu nome escrito. Que Deus o tenha! — Ele faz o sinal da cruz em passes rápidos de mão.

— Uma arma pendurada por uma corda, nunca pensaria nisso — Ela olha para baixo, o homem cujo sangue está espalhado pela parte de trás de seu vestido tem a cabeça furada e descoberta, sem chapéu nem lenço. — É... é um desses estrangeiros, não é? Um desses chinas que substituíram os escravos na construção das ferrovias!

— Isso mesmo, a Malta do Vapor é formada por chineses. Este grupo, pelo sotaque lusitano, veio da província de Macau — Ele segue chutando e escarrando em cada integrante do bando, para confirmar suas mortes. — Roubaram o nome “malta” dos grupos de capoeiras e, desconfio, que o “vapor” seja pelo derivado de ópio que fumam antes dos ataques. Por isso levam tiros, socos, chutes sem piscar. Não sentem dor, os desgraçados.

O policial se aproxima da mulher. Sorri, limpa a boca e a garganta antes de tirar o chapéu.

— Já que falei em nomes, permita que me apresente. Sou João Octavio Ribeiro, seu criado. Porém até meus colegas de corporação só me chamam de João Fumaça.

— Vestindo-se como um saco de carvão não é de se admirar uma alcunha dessas.

— Na verdade, me chamam assim porque minha mãe me deu à luz em uma Maria-fumaça, quando ainda vivia numa cidadezinha da Inglaterra. Posso perguntar sua graça, madame?

— Senhorita. Sou a senhorita Maria Pinto, futura senhora Gibson. Estou vindo de Manaus para encontrar meu noivo na Cidade Fantástica.

— Que sorte a minha — O homem devolve o chapéu à cabeça e abandona o sorriso. —Desconfio que Mr. Gibson possa ser a razão de tudo o que está acontecendo por aqui.

23.7.09

A obra de Lovecraft como paródia do cristianismo

Um artigo sobre o criador de Cthulhu
Por Carlos Orsi

Um ser dotado de poder ilimitado promete trazer a realidade como a conhecemos ao fim, em meio a uma série de pragas e sofrimentos, e criar outro mundo em seu lugar, onde esse ser reinará absoluto, e seus adoradores fiéis, principalmente os que sofreram agruras e perseguições em seu nome, terão uma vida eterna de delícias. Já seus adversários serão condenados a um sofrimento indescritível e infindável.

Responda rápido: estou falando de Jesus Cristo ou do Grande Cthulhu?

A vida e o trabalho do escritor americano H(oward) P(hilips) Lovecraft, criador do supracitado Cthulhu – monstro alienígena que dá nome ao conto O Chamado de Cthulhu – , foram analisados sob as mais diversas chaves, desde a psicanalítica (onde o desapreço do autor por frutos do mar, explícito na concepção de monstros sob a forma de lulas, peixes e crustáceos, já foi interpretada como sinal de repugnância pela genitália feminina) à política (onde os críticos costumam chamar atenção para o posicionamento racista e elitista que transparece em várias obras lovecraftianas). Menos conhecidas, no entanto, são as análises filosóficas e teológicas do trabalho de Lovecraft – e que, no entanto, existem.

As melhores dentre essas análises, principalmente por parte do biógrafo ST Joshi e do escritor, editor, crítico (e teólogo protestante!) Robert M. Price, apontam para um forte senso de humor subjacente ao trabalho desse escritor, que foi uma das vigas mestras da literatura de horror em língua inglesa no século passado.

Até hoje a indústria cultural, por meio de cinema, quadrinhos e livros, não se cansa de reciclar os temas e clichês que estabelecidos por ele, como a ideia de que a mitologia humana não passa de uma distorção da ciência de alienígenas que visitaram a Terra no passado distante (não, isso não foi invenção de Erich Von Däniken).

Esse senso de humor se faz presente, por exemplo, no jogo estabelecido entre Lovecraft e outros escritores do mesmo período, como Robert E. Howard (criador do bárbaro Conan), no qual um autor citava criações do outro – monstros, livros, personagens – dentro de sua obra, dando a impressão de que ambos estavam a se referir a uma fonte comum – uma mitologia obscura, ou algum tipo de iniciação mística.

O melhor exemplo desse jogo é o Necronomicon, livro fictício que conteria a verdadeira história do planeta Terra e de suas interações com raças de outros mundos e de outras dimensões.

Inventado por Lovecraft e logo adotado pelos demais autores de seu círculo – que submetiam a terríveis torturas personagens que ousassem ler o tomo proibido – o livro que nunca existiu acabou sendo levado a sério por ocultistas os mais diversos, e não são poucas as supostas “traduções” do original que circulam no mercado. Ateu, materialista e racionalista, Lovecraft certamente acharia graça disso.

A defesa de uma releitura ampla da obra lovecraftiana sob a chave da paródia não cabe aqui (e eu certamente não tenho a competência para fazê-la: quem se interessar em perseguir o assunto pode começar pelo volume The Weird Tale, de ST Joshi, e então partir para as edições da obra de Lovecraft anotadas pelo mesmo autor), mas o paralelo entre sua mitologia e o cristianismo é forte demais para não ser notado – embora, de fato, não tenha sido, durante muito tempo.

Isso talvez se deva à roupagem popularesca em que as histórias apareceram originalmente (impressas em pulp magazines) e à influência posterior de August Derleth. Principal popularizador da mitologia lovecraftiana, Derleth era católico e, talvez inconscientemente, retrabalhou muito do “mito artificial” deixado por Lovecraft num molde mais palatável de um duelo milenar entre anjos e demônios.

Mas, como escreve Robert M. Price, “os leitores de The Dunwich Horror não demoraram em notar a paródia da narrativa do Evangelho nesse conto”. Na história, uma virgem norte-americana é sexualmente possuída por uma “divindade” e dá à luz um filho que é morto pelas autoridades, depois de manifestar poderes sobrenaturais e pretensões “messiânicas”.

No conto, no entanto, os eventos são narrados fora da ordem clara apresentada nesta sinopse, e toda a trama aparece sob a forma da investigação do roubo de um exemplar do Necronomicon. Isso permite encarar a narrativa como uma simples aventura de terror e investigação, na linha que seria explorada, décadas depois, por séries como Arquivo X (ou, mais recentemente, Fringe).

Mas quando o mote principal da trama é explicitado, o paralelo com os Evangelhos é inegável, e a sugestão de que o “horror de Dunwich” representa a Segunda Vinda torna-se inescapável.

Já em O Chamado de Cthulhu, um monstro alienígena que dorme sob os oceanos reúne, por meio de mensagens telepáticas que surgem sob a forma de sonhos, um culto dedicado a adorá-lo e a preparar o mundo para o seu despertar – depois do qual a Terra será destruída e recriada.

O paralelo com a escatologia cristã – com as aparições do Cristo Ressuscitado, como a que animou Saulo de Tarso a vestir o manto do apostolado, substituídas pelos sonhos de Cthulhu, a igreja cristã pelo culto do monstro, a Nova Jerusalém do Apocalipse substituída pelo Reino de Cthulhu – também é claro.

Uma última curiosidade: The Dunwich Horror foi filmado em 1970, com o papel da virgem condenada a dar à luz o filho do alienígena a cargo de... Sandra Dee.

22.7.09

Resenha de O que o olho vê

Acabo de publicar no Overmundo uma resenha da novela O que o olho vê, de Carlos Orsi, publicado pela editora Scarium. Para ler e votar no texto, basta clicar neste link.

Abaixo, vou publicar os primeiros parágrafos da resenha "Catecismos científicos":

Quando chegou à minha caixa de correspondência o mais recente livro de Carlos Orsi não pude deixar de pensar nos catecismos pornográficos que Alcides Caminha assinava com o pseudônimo Carlos Zéfiro durante a década de 60 no Rio de Janeiro. O saudosismo foi despertado pela forma como foi produzida a novela O que o olho vê, pela Scarium, editora mantida pelo carioca Marco Bourguingnon. Responsável pela mais longeva publicação em papel dedicada à ficção fantástica no país – um zine com o mesmo nome da editora por onde já publicaram os melhores escritores de ficção científica, horror e fantasia brasileiros que já está indo para a edição de número 26, com chamada para submissão de contos de FC – a empresa mantém sua loja virtual desde 2002. Mesmo com esse pé na tecnologia, não perde o status artesanal de seus impressos, como os livros de sua coleção Scarium Fantástica, da qual a nova obra do jundiaiense que já foi assunto do Overmundo por três vezes – primeira, segunda e terceira – é o terceiro volume.

Editada em um formato de bolso, com 13 cm por 18,5 cm, 48 páginas, encadernação grampeada e a capa, monocromática roxa, colada por cima, a novela tem o charme das primeiras publicações do gênero, na época pioneira das pulp magazine. Só faltou o papel já vir amarelado para dar ainda mais o clima de folhetim, que já começa com a citação escolhida pelo autor, de Iam Fleming, no original, na língua de James Bond: “Nunca mande um homem quando puder mandar uma bala”. Uma citação muito adequada, já que a trama é também de espionagem e de intriga internacional. Mas se fosse apenas isso que fizesse parte da receita, O que o olho vê não seria uma representante da literatura fantástica. O que a insere nesta vertente é que a novela também é uma ótima história alternativa, subgênero dos mais respeitados da ficção científica.

17.7.09

O perfume da última noite

Livremente inspirado em "Planos de papel", de Raul Seixas
Por R.R. Londero


Um homem.
Um homem deitado em uma cama.
Um homem deitado em uma cama, em um quarto cinza de aluguel.
Um homem deitado em uma cama, em um quarto cinza de aluguel, rodeado por bolas amassadas de papel.

“Hotel do Sossego” é o nome inscrito no lençol da cama.

Um punhal.
Um punhal debaixo de um travesseiro.
Um punhal debaixo de um travesseiro escorrendo sangue pelo lençol.
Um punhal debaixo de um travesseiro escorrendo sangue pelo lençol que brilha vermelho ao encontrar o sol (que invade por uma fresta entre as cortinas).

Uma ilha paradisíaca é retratada por um jornal jogado ao lado da cama.

“Ah, Fernanda, o que você esperava de mim? Que fugíssemos juntos para Noronha? Não, Fernanda! Eu quero ficar aqui, sozinho.”

Um armário.
Um armário trancado.
Um armário trancado escondendo uma mulher.
Uma mulher.
Uma mulher morta.
Uma mulher morta exalando um perfume.
O perfume da última noite.

15.7.09

FC na academia

No final do ano passado, escrevi uma resenha para o zine de cybercultura Overclock - republicada em meu outro blog e no Overmundo - constatando que, apesar de ainda não ter conquistado crítica & público, a ficção científica no Brasil começava a encontrar espaço no meio acadêmico. A resenha em questão era do livro de ensaios Volta ao mundo da ficção científica organizado pelos pesquisadores Edgar Nolasco e Rodolfo Londero (este último colaborador do blog com dois contos publicados, este e este, e um terceiro já encaminhado que será postado em breve), obra que me autorizava a chegar a tal conclusão. Pois agora, a dupla e a universidade em que eles lecionam - a Federal do Mato Grosso do Sul - voltam a me dar provas de que esta é mesmo uma vereda aberta para o gênero literário mais presente por aqui.

O Núcleo de Estudos Culturais Comparados (NECC) daquela universidade elaborou um projeto chamado e-ficciones para, ao mesmo tempo, contribuir para a produção de FC, ampliar seu espaço no meio acadêmico e fortalecer a atuação do próprio núcleo. A ideia é publicar e-books que estarão disponíveis para download gratuito no blog do NECC. Logo abaixo, algumas informações:

Poderão participar do projeto alunos de cursos de graduação e pós-graduação, além de professores, pesquisadores e escritores de ficção científica.

Os contos produzidos devem se enquadrar no gênero, podendo o autor se valer de qualquer ícone pertencente ao mundo da ficção científica. Porém, em todos os contos deve constar como pano de fundo um dos espaços regionais escolhidos como temática para a publicação deste primeiro e-book do NECC – e-ficciones: o Pantanal e a Amazônia.


Para mais detalhes, é só visitar o blog específico do projeto que contem o regulamento em português, inglês e espanhol.

13.7.09

Treze microcontos de terror

Instantâneos de uma vampira paulistana
Por Martha Argel


O estampido forte de um tiro o despertou no meio da noite. Ainda assustado, foi ao banheiro lavar o rosto e na volta encontrou a cama ocupada por seu próprio cadáver.

Na manhã luminosa de domingo, mochila nas costas, um pacote de bolachas e sorriso no rosto, pegou a trilha na mata verde da Serra do Mar, e seus pais só voltaram a vê-lo na foto de jornal, quinze anos depois: Finalmente preso o eremita que devorou dezoito turistas.

A mulher já não agüentava os surtos noturnos do cãozinho histérico. “Cala a boca, cachorro estúpido!”. Ele silenciou, mas antes que ela conseguisse dormir, o ser horrendo que matara o animal pulou a janela e também a esquartejou.

Ele chorou desconsolado quando a polícia carregou embora seus quarenta e cinco olhos humanos. Teria de recomeçar do zero a evocação do Apocalipse. Entre lágrimas, olhou cobiçoso os repórteres que cobriam o caso. Uma hora mais tarde ponderou, feliz, que agora só faltavam quarenta e um.

“Quando sarar, vou tomar um sorvete de chocolate”, foi o último pensamento do paciente zero antes de perder a consciência e morrer. Passados dez dias, os mortos pela epidemia somavam milhões e em três meses a vida humana desapareceu da face da Terra.

– Pode me passar um pedaço de coração?
– Não.
– Mal-educado, ser canibal não é desculpa para falta de modos.
– Desculpa. Tó.
– Agora é tarde, não quero mais. Vou querer é o teu.
Nãããã...

Ele ameaçou pular. A multidão incentivou. Ele caiu em cima de uma adolescente de quatorze anos. Ela morreu, ele não. Dois anos depois o cadáver decomposto voltou e assassinou a todos, ele, a mulher e o filhinho recém-nascido.

O mau-cheiro fez com que o vizinho curioso descobrisse sua coleção de ex-namorados no quartinho dos fundos. Foi assim que ela passou a colecionar vizinhos.

“Este monstro horrível, de garras afiadas, hálito podre e olhar sangrento, não existe. É só um sonho. Não está acontecendo. Vou acordar e ele vai desaparecer. Ele não existe e não está me atac...”

Ela sorriu encantada quando o anjo se materializou à sua frente, sem saber que os dragões assassinos do planeta Vórtex tinham a aparência exata de querubins barrocos, e ainda tinha o sorriso nos lábios quando sua cabeça rolou ladeira abaixo.

Quando comia a segunda criança do dia, morreu engasgado, uma falange entalada na garganta. Isso pôs fim a seus sonhos de um dia tornar-se um aclamado serial killer.

Assim que foi eleito o mais novo membro da Academia de Letras, seus colegas imortais o cercaram, olhos brilhantes e sorrisos cheios de dentes. “Agora serás um de nós para sempre”. E morderam-lhe o pescoço.

... mas como poderia ele saber que, bem no meio da estrada que percorria todas as manhãs, acabava de se materializar um portal dimensional que conduzia direto aos quintos dos infernos?! Os demônios, claro, não aceitaram a desculpa e continuaram a torturá-lo pela eternidade.

11.7.09

Lançamento: O que o olho vê

Julho está se firmando como o mês mais recheado da história da ficção científica nacional. Acabo de saber de mais um lançamento que vai acompanhar a coletânea Steampunk e o terceiro volume de Paradigmas entre minhas leituras. O nome da novela é O olho que vê, editada pela equipe da Scarium, a autoria é de um velho conhecido deste blog, Carlos Orsi Martinho, e a capa pode ser vista abaixo:



Segundo o editor, Marco Bourguignon, o roteiro traz conceitos de realidade virtual, nanotecnologia, cosmologia, política e religião para a construção de um mundo plausível. Ele resume assim a história:

Um estudante brasileiro de Cosmologia vivendo nos Estados Unidos da América, ou melhor, nos Estados Cristãos da América, acaba se envolvendo em uma emaranhada trama de espionagem internacional. Ele parte para uma missão importante, recuperar os códigos do vírus da gripe suína escondido artificialmente dentro de um olho. O autor nesta novela praticamente antecipou a disseminação da gripe suína, uma vez que este texto foi escrito antes da pandemia mundial de 2009.

Carlos Orsi adianta que de fato escreveu o texto ainda no primeiro mandato do ex-presidente dos EUA, George W. Bush, pouco depois dos atentados de 11 de Setembro e do início da invasão do Iraque, influenciado por Vernor Vinge. "É um mundo onde o Islã gerou uma sociedade científica e o ocidente fundamentalizou-se".

Mais informações sobre a obra, que pode ser adquirida por seis reais na loja virtual da editora, logo abaixo e neste endereço:

O que o olho vê
13 x 18.5 cm
48 páginas
Coleção Scarium Fantástica
Volume 3
Impresso


7.7.09

Steampunk - O convite

Paradigmas - Volume III

E a coleção por onde os Terroristas da Conspiração foram lançados no papel não para, sinal de que está agradando e cumprindo seu propósito de quebrar paradigmas da literatura fantástica brasileira. Como nas vezes anteriores, serão reunidos o cabalístico número de 13 autores de todo o país, alguns estreando em publicações impressas, muitos já conhecidos deste blog, para dar sua versão das diversas vertentes da ficção científica, fantasia, terror. A editora responsável é a que mais investe na ficção de gênero 100% nacional, a Tarja Livros.


Os participantes da terceira edição são os seguintes:

Camila Fernandes (SP), Davi M. Gonzales (SP), Gianpaolo Celli (SP), Hugo Vera (SP), Leandro Reis (SP), Lúcio Manfredi (RJ), Ludimila Hashimoto (RJ), Marcelo Jacinto Ribeiro (SP), Richard Diegues (SP), Ronaldo Luiz Souza (MG), Saulo Sisnando (CE), Viviane Yamabuchi (SP), Wolmir Aimberê (ES).

O lançamento vai ser no dia 21 de julho, a partir das 18h30 em um local que já virou tradição:

Bardo Batata – gastronomia e cultura
Rua Bela Cintra, 1.333 – Jardins – São Paulo

6.7.09

A primeira coletânea Steampunk do Brasil

Recebi informações sobre o livro em que vai ser publicada a minha noveleta "Cidade Phantástica".

Steampunk - Histórias de um passado extraordinário vai trazer textos de nove autores em 184 páginas. O lançamento será nos dias 25 e 26 de julho, das 11 às 19 horas, durante a Fantasticon 2009 – III Simpósio de Literatura Fantástica que ocorrerá na Biblioteca Temática de Literatura Fantástica Viriato Corrêa, na Rua Sena Madureira, 298 – Vila Mariana – São Paulo – SP.

Abaixo você pode conferir a capa do livro e alguns detalhes dos contos e autores presentes na obra, editada pela Tarja Livros.


Gianpaolo Celli trouxe uma história clássica, com referências históricas reais misturadas com ação e intrigas, envolvendo sociedades secretas e o prelúdio do que se tornou a guerra Franco-Prussiana. Fábio Fernandes apresentou uma adaptação primorosa do complexo de Frankenstein, com uma visão fascinante de um futuro onde a sociedade divide seu espaço com a maquinidade. Antônio Luiz rompe as amarras do metal, trabalhando avanços em outra área de estudo, com ambições até mesmo maiores e mais perigosas: a medicina. Alexandre Lancaster cedeu uma narrativa com ares de ficção científica, onde a ciência aponta que somente pode ser vista com simpatia se for inofensiva, caso contrário, torna-se uma maldição. Roberto Causo transporta o leitor para uma viagem repleta de escaramuças pelas selvas de nosso país, mas não entre as árvores, mas acima delas, mostrando Santos Dummont de uma forma inusitada. Claudio Villa arremessa o leitor para o mar, singrando suas águas acima e abaixo, em busca de um tesouro que leva o leitor aos ares do terror lovecraftiano. Jacques Barcia nos dá um conto “estranho”, unindo o drama da guerra, máquinas quase humanas e seres inacreditáveis da mitologia em um caldo que realmente proporciona uma nova criação. Romeu Martins transporta o leitor para um ambiente de faroeste à brasileira, com o clima típico desse estilo de folhetim, mas com heróis e bandidos extremamente vaporosos. E Flávio Medeiros encerra as páginas da obra com chave de ouro, mostrando os clássicos dirigíveis e submergíveis em um drama de honra que certamente agrada muito aos apreciadores do gênero.

Baumgart

Uma história no universo do Baronato de Shoah
Por José Roberto Vieira

Usando máscaras etéreas de mentiras reais, os cidadãos de Wünder vestiam–se como personagens do teatro dos vampiros. Meras sombras e sussurros de um poder paralelo golpeando a luz.

- Rápido –dizia o patriarca da família ao cocheiro – Vamos perder as melhores mercadorias. – os cavalos aceleraram subjugados pela dor do açoite.

- Sim senhor – respondeu o serviçal – Chegaremos a tempo, Senhor, não se preocupe. – ele abaixou o chapéu vermelho sobre o rosto e acelerou, fazendo os cavalos mecânicos que levavam a carruagem acelerarem.

Máquinas desalmadas, não sentiam a força dos golpes, e tudo que faziam era andar. Sua carapaça brilhava sob os archotes e postes da cidade, que, com suas luzes artificiais, revelavam as faces mentirosas de um povo egoísta e perverso.

Trilhos cortavam as ruas, formando uma complicada teia metálica. Vista de cima, parecia um poliedro sinistro, pronto para abraçar a cidade lentamente.

Eles tremeram, prenunciando a chegada do colosso férreo. Distante, na orla da cidade, o grito da locomotiva quebrou todas as conversas e rachou todos pensamentos. A carruagem que levava os nobres parou embaixo da ponte de aço e aguardou.

Como um monstro demoníaco rasgando o véu de maya, dobrando o tempo à sua vontade e a vida ao seu desejo, a locomotiva adentrou Wünder, humilhando o cidadão comum com baques de aço sobre a terra.

- Eles chegaram – disse o patriarca, tirando Cartola. – Rápido, homem! Os Escravocratas chegaram!

A névoa rastejava a seus pés, Nebeldumpf, névoa do vapor, a energia que movia aquelas monstruosidades, fazendo-as ter vida própria num mundo sem vida.

Wünder era um milagre arquitetônico, templos gigantescos adornados com arabescos, arcos, torreões e gárgulas, rosáceas e estátuas de santos. O templo de Shoah, com suas sessenta e nove torres e o descomunal obelisco perolado, podia ser visto de outros reinos, a anunciar o poderio da fé.

Tudo na cidade era grandioso, extremo, abusivo. Vinho, mulheres, festas, aço e bronze, vapor e névoa, carvão e lenha. Carros, as novas maravilhas da ciência, passavam, impressionando o populacho; motos, absurdos da humanidade, eram disputadas por jovens ricos e mimados.

O exército observava, guardava, com suas armaduras de placas cheias de detalhes dourados, com mascas ocultando suas faces.

E os trens?

Cruzavam a cidade, estuprando-a por trilhos maculados de dor e desespero. Eram eles que agora passavam, fazendo os trilhos vibrarem terrivelmente. Cuspiam fumaça preta na cidade pintando-a da cor do céu, mais tarde escravos seriam mandados para lavar as torres, morreriam intoxicados, e novos escravos seriam trazidos pelos trens para lavarem a cidade enquanto novos trens passavam, trazendo novos escravos. Pelas frestas dos vagões, eles viam os torreões negros apinhados de outros escravos.

Era um círculo negro de sujeira e morte, abaixo da riqueza e das máscaras de sombras, que se repetia e repetia, em palavras usadas insistentemente em cada parágrafo.

- Levantem-se! – ordenou o feitor, estalando o chicote. – Levantem, desgraçados!

A locomotiva apitou ao parar na estação, seus vagões centrais se abriram. Era um sonho dantesco, tinir de ferros, estalar de açoites, legiões de homens negros como a noite. Sua pele era preta (de carvão ou natural?), os corpos um dia fortes enfraqueciam e definhavam, outrora risonhos e camaradas, eram agora uma raça fraca e subjugada.

Seus rostos, um misto de fera e homem, não passavam de faces maltratadas de bichos dominados. Que tinha acontecido com aquele povo?

Clamavam pela mãe-terra, mas, sem poder ouvi-la, esqueciam-se de seu orgulho, seu poder. Pretos, negros, escuros, honrados, corajosos, valentes, senhores de sua liberdade, apagada pelo homem branco de cartola.

De fora ria-se a orquestra irônica, jogando preços pelas cabeças tontas. – Cem drakkars1 pelo filhote! –gritou um mercador. –Setenta pela fêmea! –gritou outro.

O trem apitou. O chicote estalou alto novamente. – Um lindo exemplar de força e coragem! –gritou o feitor, puxando um jovem para frente. – Músculos sem alma ou cérebro, tudo que um patrão quer!

Excitados pela mercadoria, os compradores avançaram. Alguém levou um soco, outro levou um chute, uma criança foi derrubada no chão e pisoteada, para desespero da escrava que a seguia. Uma espada foi sacada, uma mancha de sangue pintou os paralelepípedos.

A carruagem da nobre família chegou nesta hora, sem poder passar, estacionou distante. – Eu mandei você correr! – gritou o patriarca, colocando a cabeça pra fora da janela e apontando para o cocheiro.

Não havia ninguém sentado ali. O homem de vermelho tinha sumido.

Do trem, do tablado, do frio, os escravos tremeram de medo. Em nenhum lugar de Nordara a compra e venda de escravos era tão selvagem quanto em Wünder.

– Calma! –berrou o vendedor, a multidão se afastava. – Não precisam temer, senhores, vamos aos negócios? –os nobres baixaram as armas, ainda com os olhos fixos no feitor.

Ou em algo atrás dele.

Ele se virou, pronto para anunciar a mercadoria. Parou atônito, medindo a figura atrás de si. Primeiro achou tratar-se de um golem, um dos inúmeros guardas de aço de Wünder.

Mas não era.

Assemelhava-se a uma armadura de placas, vermelha, cheia de tubos e engrenagens, rangia alto e tinha uma espécie de escapamento nas costas, de onde saía fumaça. Os olhos prateados fitavam o homem com ira, apesar da inexpressão.

A máscara era uma aberração sorridente, envolta por um elmo meio triangular com abas levantadas e chifres. Em cada mão trazia uma espada: uma curta de cabo perolado, outra longa de cabo ébano.

O Espectro Rubro.

O mais temido abolicionista de Nordara, o libertador, aquele que se lembrava que o povo negro era um igual e não o deixava se esquecer: lutem. Ninguém sabia se era negro ou branco, vermelho ou amarelo, azul ou cinza.

O que importava, é que ele fazia alguma coisa.

Com um rápido golpe com as espadas, o Espectro quebrou as correntes que prendiam os escravos. O primeiro deles jogou o corpo para o lado empurrando o feitor para dentro da multidão.

Alvoroçadas, as pessoas correram, pisoteando o homem com a mesma crueldade que havia matado o menino segundos antes. – Peguem o Espectro!- berraram, apesar do medo. Não se aproximavam, esperavam a guarda chegar para prendê-lo.

O vendedor tentou puxar a arcabuz da cintura, mas o inimigo foi mais rápido e cortou-lhe o braço com o sabre negro. Girou o corpo com velocidade espectral e atirou a mesma espada num guarda que vinha em sua direção.

A arma, presa por uma fina corrente que saía de seu pulso mecânico, voltou para o atacante obediente.

Algo criou uma sombra sobre a multidão. Cem cabeças voltaram-se para o céu e viram, aterrorizadas, mais um inimigo se aproximando. Inimigo dos homens, amigo da liberdade.

Era um pássaro. Mas, assim como o Espectro Rubro, não era um pássaro de carne e sangue: suas penas eram feitas de malhas de aço sobrepostas, seu bico era de ferro e seus olhos o mais puro vidro escurecido. Ela não guinchava. Sobrevoava em silêncio a multidão estarrecida.

Arremetendo agilmente, ela agarrou um homem qualquer e o ergueu, sem que seus protetores pudessem reagir. Um deles tentou disparar uma pistola, mas a bala resvalou nas camadas de metal e caiu novamente no chão.

Apreciando o pavor que causara, o Espectro sorriu. À maneira das máquinas. Seus escapamentos soltaram mais vapor e ele apitou como se fosse uma locomotiva, empunhando as espadas, triunfante.

O ar tremeu. Uma bola de fogo explodiu violentamente, erguendo do chão o trem dos escravos. Casas queimaram, escravagistas rasgaram-se em pedaços borbulhantes, destroços quentes atravessaram corpos. Uma viga abriu ao meio um soldado, um telhado soterrou algumas senhoras da nobreza, que tinham vindo só para assistir e agora eram a cena principal.

- Linkululeko! – gritou o Espectro.

- Linkululeko! – respondeu o escravo que havia empurrado o feitor na multidão. Empolgados com a liberdade e a possibilidade de lutar, os outros o seguiram em uníssono: - Liberdade, Linkululeko!

A locomotiva tombou, levando consigo os vagões num jogo de dominó brônzeo e cruel, que foi derrubando prédios e casas ao longo dos trilhos até as montanhas.

O Espectro Rubro observava, satisfeito. Ao seu lado, o agora líder que empurrara o feitor, ria-se fartamente da destruição e da dor de seus inimigos.

– Com os cumprimentos da Maffia Rouge. – sussurrou a voz metálica do Espectro.

A escuridão avançou quente, plácida, abraçando-os carinhosamente. Quando a luz voltou a acender nada mais restava.

Além de uma cidade de rosto cortado e orgulho ferido.

Marcus Baumgart, o escravo, mergulhou na escuridão.

E dela fez parte para sempre…

1 O dinheiro usado no reino, um drakkar equivale a R$10,00

Balanço do especial

Junho foi todo dedicado, mesmo de maneira meio improvisada, a um especial que chamei de Imagens fantásticas. Neste mês publiquei 39 posts, com 50 ilustrações - desenhos, fotos, tiras, charges, caricaturas, trechos de HQs, xilogravuras -, de 26 autores - todos creditados e linkados -, que geraram, até o momento, 69 comentários. Dizer que foi acima das minhas expectativas nem chega perto de expressar o saldo positivo que faço deste primeiro especial do blog. Meu muito obrigado a todos que cederam seus trabalhos para que eu pudesse blogar daqui. Vamos repetir qualquer hora dessas ou, quem sabe, podemos intercalar novas imagens com os costumeiros contos. O convite continua aberto: quem quiser divulgar alguma imagem de inspiração fantástica, é só entrar em contato! Vamos voltar à programação normal.

4.7.09

Terrorismo em Florianópolis

Eu havia dado uma chamada em maio neste post sobre uma história em quadrinhos envolvendo atentados terroristas em uma Florianópolis futurista e despótica. Agora no início de julho, o idealizador do projeto, Pedro Franz, cumpriu a promessa e publicou em seu blog o primeiro capítulo do material, em um arquivo pdf que pode ser baixado para o computador dos leitores interessados.

Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo terá ao todo 12 partes que o autor também deve publicar primeiro de forma on line, antes de tentar viabilizar uma versão impressa. Em seu início já vemos o que podemos esperar em termos de arte e narrativa. Com pesados contrastes no preto e branco, um traço que me lembrou o trabalho de Lourenço Mutarelli e uma trama contada com fragmentos simultâneos das impressões de vários personagens este parece ser um trabalho que vale a pena ser acompanhado por quem se interessa pelos temas mais caros a este blog: teorias da conspiração, tramas políticas, assuntos indigestos.

Na imagem ao lado, vemos um dos terroristas que atuam na capital catarinense. Vale lembrar que Franz lançou um pedido para que as pessoas colaborem com seu projeto enviando fotos 3 X 4 que serão retrabalhadas ao longo da HQ como parte do material visual.

1.7.09

Little heroes - Pequenos heróis

Ainda no espírito de brincar com a idade de personagens famosos, mas com uma proposta diferente. Em agosto deve chegar as bancas um álbum que presta homenagem a alguns dos mais famosos super-heróis dos quadrinhos dentro de uma ótica infanto-juvenil. O projeto é do escritor, roteirista e desenhista Estevão Ribeiro, que já contribui com este blog antes, ilustrando o conto "O homem bomba" de sua cara metade, Ana Cristina Rodrigues. No último ano, o capixaba radicado no Rio de Janeiro reuniu um excelente time de desenhistas para desenvolver os roteiros escritos por ele e o resultado atende pelo nome bilíngue de Little heroes/Pequenos heróis.

O álbum vai reunir oito histórias, cada uma com o traço de um artista diferente, nas quais crianças e adolescentes vivem aventuras que podem ser vistas como inspiradas nos feitos de algum grande herói das HQs. Reforço que não se trata de versões infantis dos personagens, mas sim de jovens que realizam feitos baseados nas ações de seus ídolos dos quadrinhos. Apesar de não ter vínculo com a editora americana, todos os homenageados são da DC Comics, mas pode vir mais por aí. "A maior parte dos envolvidos já confirmou a participação no segundo número de Little Heroes, que é uma 'trilogia': Heróis da DC, Heróis da Marvel e Heróis Clássicos, como Mandrake, Fantasma, Flash Gordon, Tarzan, Príncipe Valente e outros", informa Ribeiro.

Ele também deu alguns detalhes deste primeiro volume. "São 80 páginas de quadrinhos, mais ilustrações avulsas de artistas convidados, biografia de cada autor e seção de bastidores bilíngue. O álbum terá cerca de 110 páginas, formato americano (podendo variar na largura)." Como a intenção é distribuir o material também em outros países, a grande sacada do projeto é ter feito as histórias "mudas", sem balões. Os pequenos personagens vivem suas aventuras contadas apenas pela força do roteiro e das expressões visuais, sem falas que precisem ser traduzidas. Desta forma, com títulos das histórias e informações adicionais em inglês e português, a publicação pode ser impressa aqui e distribuída em outras praças interessadas.

Neste e nos posts dos próximos dias, vamos ver uma amostra de cada uma dessas oito histórias. Para começar, a Santíssima Trindade do Universo DC. Quem ficou responsável pelo maior ícone da casa, o septuagenário Superman, foi o co-editor do álbum, Mário César. Ele assina os desenhos de "Superbro":



Em seguida temos a primeira dama da DC. Mulher-Maravilha foi homenageada com a HQ "Little Wonders" desenhada por Fernanda Chiella:


Batman pode ser visto em dois momentos, abaixo, em uma página apenas com o traço a lápis e outra finalizada. "The Dark Boy" leva a assinatura de Emerson Lopes:

Ibope