Tudo começou no Escobar, boteco com nome de personagem machadiano. Reunião de pauta feita em escritório provisório. Decidi escrever sobre o mais novo crime-sensação de Big Field, o assassinato de John Botelho, filho do deputado pecuarista Seu Botelho. Pauta aprovada, corri para o ponto de ônibus.
Não demora, peguei o 061. Busão lotado como vagão rumo a Auschwitz. Desci na Praça Ari Coelho. Passei pelos mototaxistas com seus capacetes Nintendo jogando bozó virtual. Encontrei a velha-guarda da praça batendo pedra em mesa de concreto. Partidas ininterruptas de dominó. Aqui se concentra o maior acervo informacional de Big Field. Os velhos sabem de tudo. Perguntei sobre a morte de John Botelho. Ouvi algo assim: “Rixa entre os NOBs e os Agroboys”. Acontece que Big Field é cidade partida, dividida pelo trilho imaginário do trem-fantasma. Antes do Trilho e Depois do Trilho, Big Field AT e Big Field DT.
Big Field AT é cidade velha, reduto de sapatarias mofadas, móveis usados, hotéis desqualificados. Comandada pelos NOBs, geração perdida descendente dos trabalhadores da antiga Noroeste Brasil. Gangue multicultural formada por italianos, japoneses, turcos, etnias imigrantes. Seu QG é o Cine Plaza, cine-motel rodoviário. Seu líder é João Nagasaki Otomano. Big Field DT é cidade nova, abrigo do Templo dos Ociosos (ex-Shopping Campo Grande). Dominada pelos Agroboys, filhinhos de magnatas da bio-pecuária. Gente viciada em carro tunado, ou seja, lataria transformada em batmóvel. Seu QG é alguma cobertura Plaenge não-identificada. Seu líder era John Botelho.
Deixei os velhinhos e a digressão de lado. Corri para o Centro Comercial Popular, eufemismo governamental para camelódromo. Verdadeira favela de produtos made in China, de piratarias desbotadas, de remédios ilegais. Barracas se sobrepondo como palafitas sobre o rio humano. Encontro Enéias, o melhor em materiais para cirurgias ecológicas. Mas não quero pêlo de onça, quero informação. “A rivalidade entre os NOBs e os Agroboys começou com uma briga entre João e John. Ambos disputavam Roberta, travesti andróide da CSE Ltda.”.
Não sou Lola, mas corri mais uma vez para pegar o 061. A CSE Ltda. é, na verdade, uma avenida privatizada, e daí vem a sigla: Costa e Silva Entretenimento. Perguntei sobre Roberta num quiosque-recepção e me indicaram o poste 113. Os pombinhos estavam lá, o NOB e a travesti versão 2.0. Quase levei chumbo quente nos cornos, mas convenci João a conceder uma entrevista exclusiva. “Por que você matou John Botelho?”. “Eu não matei esse desgraçado”. “Como?”. “Foi Dadão, ele devia um servicinho para mim”. “Então foi encomendado?”. “Rapaz, realmente foi sob encomenda!”. Disse isso e riu de rolar no chão. Não entendi a piada, mas fui atrás de Dadão.
Dadão trabalha no Mercadão, vende cuias-pé-de-boi, bombas de times e ervas transgênicas milagrosas. Comprei um maço para unha encravada, falando assim: “Seu Botelho tá pagando muito para quem encontrar o puto que matou o filho dele”. Dadão puxou a peixeira, mas emendei: “Vai me matar? No meio de todo mundo?”. Dadão baixou a peixeira. “Responde apenas uma coisa: como você o matou?”. “Deixei cair uma encomenda de ervas em cima dele, quando andava por aqui”.
Ah, depois dessa, só comendo o pastel do Mercadão!
5 comentários:
Lendo isso, pensei seriamente em uma espécie de fausto fawcett do interior do Brasil. Muito interessante.
O Rodolfo mandou muito bem neste conto... Adorei a idéia de Big Field. Ele tem outro texto neste universo, que ainda não li. Vou tentar aprovar com ele a liberação para publicá-lo por aqui...
Mas é realmente esta a idéia: Fawcett no interior do Brasil! Que bom que você captou o espírito! Ganhei o dia!
Manda o outro texto, Rodolfo.
Thanks :)
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