16.9.08

The Schroedinger show

A primeira apesentação quântica de rock por Carlos Orsi

Um dia, o super-pop-megastar ouviu falar da experiência do Gato de Schroedinger: um gato numa caixa, com um tubo de veneno. O tubo ligado a um detector, ligado a um átomo. Se o átomo se desintegra, o veneno escapa, o gato morre. Mas, até que alguém olhe, diz a ciência, o átomo está numa “sobreposição de estados”: inteiro e desintegrado ao mesmo tempo. Portanto, o gato está vivo e está morto. Ele só decide pra valer quando aparece um xereta.

“Qualé, meu?”

“Mecânica quântica, cara. Maior piração”.

“Não é assim que o teletransporte funciona?”, perguntou então o super-pop. E a resposta: “Sei lá, cara. Acho que sim”. Dois segundos depois, entediado, o megastar ativou o biochip atrás da orelha e mergulhou na GWN, a Galaxy-Wide-Neuronet.

E era isso aí: o teletransporte usava a tal “mecânica quântica”. “Maneiro, meu”, disse o megastar, pois vivia-se numa era de gírias retrô.

“Superbacana”.

Duas horas depois, a mídia anunciava que o super-pop-megastar iria realizar um “Schroedinger Show”. Palcos seriam montados nos principais planetas. Em cada palco haveria equipamento de som, além de um terminal de teletransporte, um gerador holográfico e um único átomo isolado, ligado a um detector. No alto do palco, no que seria o ponto mais visível para a platéia assim que as cortinas caíssem, um medidor registraria o estado do átomo.

Três segundos antes da hora H, o super-pop-megastar entraria no teletransporte de sua casa.

Nos palcos, no mesmo instante, as cortinas cairiam.

E onde o megastar iria surgir? No palco onde a platéia visse que o átomo havia se desintegrado!

E as outras platéias?

Elas ficariam com a transmissão holográfica subespacial.

Neuro-sites especializados denunciaram o “Schroedinger Show” como um esquema para cobrar por duas centenas de shows ao vivo onde haveria apenas um. O megastar respondia: “Eu vou estar presente e ausente ao mesmo tempo, cara. Piração, meu. Mecânica quântica, cara. Quântica. Sacou?”

Cientistas evitaram comentar o assunto. Havia um mau pressentimento no ar.

Pois, e se o indicador desse positivo em mais de um palco?

No final, num paradoxo físico sem precedentes, 199 platéias realmente viram o show ao vivo – e o holograma falhou na última, onde, na verdade, quase só havia críticos e convidados.

Não houve uma crise cósmica, nem foi preciso chamar a frota ou a legião. Mas 199 artistas idênticos – processando-se mutuamente por pirataria – foi algo que manteve as cortes ocupadas até o fim do Universo.


Este texto foi originalmente publicado na revista Play

10 comentários:

Giseli Ramos disse...

Hahaha, maneiro, meu! :P Nada como explicar esses conceitos em termos simples...

Romeu Martins disse...

O Orsi é simplesmente foda neste critério, Gi.

Além de um baita escritor de ficção o cara é um dos melhores jornalistas especializados em C&T que eu conheço.

Helena disse...

hehehe muito legal, adorei! especialmente o final.

Tenho dois contos usando o Gato, um deles até lembra o do Carlos Há uma premissa semelhante, usar a experiência na cultura pop embora seja bem diferente no geral. E é enorme, tem mais de oito mil palavras.

O outro - Encontrando o Gato de Sch. - é um mini brincando com a idéia de um lado quântico feminino. Segundo um amigo cientista as mulheres são quânticas hehe

beijos e parabéns aos dois pela publicação,

merrel

Romeu Martins disse...

Hehehe, merrel

Este blog é mais ponto de convergência que o outro... Todo mundo se reconhece e têm algo em comum.

Aliás, já baixei aquele conto do Trevisan que tem a mesma vibe do seu... Em breve, ele estará por aqui.

Alexandre Lancaster disse...

Realmente, esse conto foi genial.

Fernando S. Trevisan disse...

O Lancaster falou tudo genial :D

Romeu Martins disse...

Pois, agora, Trevisa e Lancaster, eu é que não vou contrariar os leitores: é genial e pronto!

E o Orsi me mandou outro conto, bem maior e não menos genial. Fica pra uma próxima postagem.

Camila Fernandes disse...

Carlos,
You ROCK, man. Sacou?
Há tempos tento compreender essa história do felino morto-vivo que as pessoas insistem em dizer que é ciência e para mim parece mais poesia concreta. Há cabeças e cabeças, não é?
Texto rápido e rasteiro, bem-humorado e bem-bolado. Adorei a experiência. E fico feliz que você tenha poupado o pobre gato. Os pop stars que se digladiem à vontade. Rs!
Beijos.

Romeu Martins disse...

Haha, falou Mila a defensora dos felinos ;-)

Clinton Davisson disse...

Muito foda esse conto!

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