13.7.09

Treze microcontos de terror

Instantâneos de uma vampira paulistana
Por Martha Argel


O estampido forte de um tiro o despertou no meio da noite. Ainda assustado, foi ao banheiro lavar o rosto e na volta encontrou a cama ocupada por seu próprio cadáver.

Na manhã luminosa de domingo, mochila nas costas, um pacote de bolachas e sorriso no rosto, pegou a trilha na mata verde da Serra do Mar, e seus pais só voltaram a vê-lo na foto de jornal, quinze anos depois: Finalmente preso o eremita que devorou dezoito turistas.

A mulher já não agüentava os surtos noturnos do cãozinho histérico. “Cala a boca, cachorro estúpido!”. Ele silenciou, mas antes que ela conseguisse dormir, o ser horrendo que matara o animal pulou a janela e também a esquartejou.

Ele chorou desconsolado quando a polícia carregou embora seus quarenta e cinco olhos humanos. Teria de recomeçar do zero a evocação do Apocalipse. Entre lágrimas, olhou cobiçoso os repórteres que cobriam o caso. Uma hora mais tarde ponderou, feliz, que agora só faltavam quarenta e um.

“Quando sarar, vou tomar um sorvete de chocolate”, foi o último pensamento do paciente zero antes de perder a consciência e morrer. Passados dez dias, os mortos pela epidemia somavam milhões e em três meses a vida humana desapareceu da face da Terra.

– Pode me passar um pedaço de coração?
– Não.
– Mal-educado, ser canibal não é desculpa para falta de modos.
– Desculpa. Tó.
– Agora é tarde, não quero mais. Vou querer é o teu.
Nãããã...

Ele ameaçou pular. A multidão incentivou. Ele caiu em cima de uma adolescente de quatorze anos. Ela morreu, ele não. Dois anos depois o cadáver decomposto voltou e assassinou a todos, ele, a mulher e o filhinho recém-nascido.

O mau-cheiro fez com que o vizinho curioso descobrisse sua coleção de ex-namorados no quartinho dos fundos. Foi assim que ela passou a colecionar vizinhos.

“Este monstro horrível, de garras afiadas, hálito podre e olhar sangrento, não existe. É só um sonho. Não está acontecendo. Vou acordar e ele vai desaparecer. Ele não existe e não está me atac...”

Ela sorriu encantada quando o anjo se materializou à sua frente, sem saber que os dragões assassinos do planeta Vórtex tinham a aparência exata de querubins barrocos, e ainda tinha o sorriso nos lábios quando sua cabeça rolou ladeira abaixo.

Quando comia a segunda criança do dia, morreu engasgado, uma falange entalada na garganta. Isso pôs fim a seus sonhos de um dia tornar-se um aclamado serial killer.

Assim que foi eleito o mais novo membro da Academia de Letras, seus colegas imortais o cercaram, olhos brilhantes e sorrisos cheios de dentes. “Agora serás um de nós para sempre”. E morderam-lhe o pescoço.

... mas como poderia ele saber que, bem no meio da estrada que percorria todas as manhãs, acabava de se materializar um portal dimensional que conduzia direto aos quintos dos infernos?! Os demônios, claro, não aceitaram a desculpa e continuaram a torturá-lo pela eternidade.

3 comentários:

Matte disse...

Sensacional.
Pequenos parágrafos que provocam impressões fortíssimas e invocam imagens grotescas.
parabéns.

Romeu Martins disse...

Obrigado pelo comentário, Matte. Recomendo novas doses de Martha Argel :-)

Mario Carneiro Jr. disse...

Um melhor que o outro!

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