8.8.08

Outros segredos

A metacontiuação do conto “O segredo” por Leonardo Siviotti


— Clinton Davisson? quis certificar-se o homem vestido com o uniforme dos correios. —Esta encomenda é para você.

Clinton segurou o pacote. Estranhou, pois não esperava nenhuma entrega e nem leu seu nome ali. Alguém rabiscara à caneta sobre a linha do destinatário e o endereço.

— Tem certeza que é para mim?

— Tenho.

— Preciso assinar em algum lugar?

— Não.

— Não mesmo? Sempre assino quando recebo uma encomenda. Normalmente é um outro carteiro quem trás. Ele está de férias ou foi transferido?

— Nada sei sobre ele.

Mentira. O carteiro estava jogado em meio aos vários pacotes e cartas na traseira do veículo de entregas, com o pescoço quebrado e apenas de cueca e meias. O restante de seu uniforme era vestido pelo interlocutor de Clinton.

— Tá bom. Obrigado — agradeceu, prestes a fechar a porta.

— Espere! — o homem gritou. — Tenho mais uma coisa para você.

— E o que é?

— Isso! — socou com força o rosto de Clinton, fazendo-o decolar junto com o pacote que não lhe pertencia. Tonto e caído, ainda recebeu um chute nas costas que o fez rolar pelo chão.

— Quem é você? — perguntou assustado. — O que quer comigo?

— Sou um representa da Coca-Cola Company, marca de refrigerante mundialmente famosa e vendida em mais de 140 países — disse de forma mecânica. — Perdoe-me por essa introdução ridícula, mas não posso evitá-la.

O homem fechou a porta e sacou uma pistola com silenciador acoplado.

— Lemos um conto seu, escrito em seu blog no dia 3 de Agosto de 2008, que citava a nossa empresa.

— “O Segredo”? Foi minha filha quem escreveu.

— Covarde! Querendo fugir da responsabilidade?

— Quem é você? O advogado deles? É assim que processam alguém, apontando-lhe uma arma?

— Como soube?

— Soube do quê?

— Do segredo?

— Que segredo? Aquilo é ficção, cara!

— Não! Aquilo é ficção cara, tão cara que pode fazer desmoronar o nosso império. Vim até aqui evitar a propagação da notícia. Não vai dizer como soube? Tudo bem, isso não muda nossa história. Tenho um final pouco original, mas plenamente satisfatório para mim. Vou matar o protagonista. Vou matá-lo, senhor escritor, em sua própria casa.

— Se vai matar o protagonista, atire na própria cabeça. Sou um coadjuvante. Foi você quem conduziu a história até aqui. Olhe as minhas falas; estou sempre te fazendo perguntas, levantando a bola para você contar a história. Eu quase fechei a porta e o conto teria acabado ali. Você que me socou, dando algum dinamismo a esses diálogos que nunca sairiam do lugar. É o grande responsável pela virada que nos trouxe até o segundo ato. Como assim não é o protagonista?

— Isso não é verdade — envergonhado, coçou a cabeça. Tinhas dúvidas. — Será? Eu sou o protagonista?

— Para mim, está claro. Atira logo na sua cabeça, não é bom ficar mudando o final. Acaba deixando tudo incoerente e dá um trabalho inacreditável na revisão.

— Pilantra! — gritou após uma breve reflexão, quando já apontava a arma para a própria cabeça. — Eu nem tenho um nome, você até sobrenome tem. Portanto, quem é o protagonista?

— É, bom argumento — disse Clinton, que havia se arrastado até o armário.

— O que está fazendo? Tentando abrir a gaveta?

— Não — negou, embora tivesse acabado de abri-la puxando a maçaneta.

— Como não? Você ...

— Olha aqui — Clinton interrompeu. — não estou tentando abrir gaveta nenhuma. Ela está aberta. Já está aberta, entendeu? Como posso tentar abrir o que está aberto?

Confuso, o homem distraiu-se. Aproveitando-se disso, Clinton pegou uma chave de fenda na gaveta e arremessou contra o sujeito, cravando-a em seu pescoço. Para a sua surpresa, o corpo do homem “cuspiu” a chave quase imediatamente, fazendo desaparecer qualquer buraco ou vestígio do ataque.

O homem sorriu.

— Sou um agente Coca-Cola, Clinton. O pouparei das explicações, você conhece o segredo, sabe do que sou feito. Aliás, é por isso que estou aqui. Para eliminá-lo. Agora toma; cada gota vale a pena!

Atirou três vezes.

O sorriso desapareceu de seu rosto quando percebeu que o corpo do atingido também devolvia as balas.

— Como é possível? — questionou perplexo.

— Sou um agente Pepsi — respondeu Clinton tranqüilamente. — Como acha que conheço o segredo de vocês? Ele é semelhante ao nosso. No fundo, somos parecidos, apenas com rótulos diferentes. Somos um mal necessário para o outro. Estamos sempre brigando, envolvidos em disputas. Dessa forma nos fortalecemos. Assim dominamos o mundo. Menos no Oriente Médio, onde eles preferem a Mecca-Cola.

Passaram quase meio minuto encarando-se em silêncio. Então, o homem tomou a iniciativa: largou a arma e caminhou até Clinton. Estendeu a mão para ajudá-lo a se levantar.

— Desculpe. Perdoe-me por invadir sua casa assim.

Clinton estava novamente de pé.

— Tudo bem. Também quero me desculpar por ficar espalhando o segredo de vocês por aí. Foi uma grande sacanagem da minha parte.

— Não tem problema. Ninguém lê seu blog mesmo. Se tivesse feito um vídeo no Youtube, aí sim estaríamos ferrados.

Apertaram as mãos.

— Quer beber algo para comemorar nossa trégua? — Clinton perguntou empolgado.

— Tem cerveja?

— Claro!


E logo estavam brindando e rindo como velhos camaradas. Até que, após seu terceiro gole, o homem fez uma careta e soltou um longo arroto.

— Que cerveja é essa? O gosto na minha garganta, parece até ...

— Refrigerante? Não, é cerveja mesmo. Cerveja Pepsi! — Clinton anunciou triunfante.

— O quê?

— Cerveja Pepsi, bebida secreta e exclusiva para membros do alto escalão da empresa. Tem uma fórmula semelhante a do refrigerante.

O homem desesperou-se.

— Está blefando! Você nem é alguém importante lá.

— Não era. Até nosso serviço de espionagem descobrir que um de vocês viria me pegar. De repente passei a ser peça chave. Afinal, qual é a maneira mais eficiente de assassinar um de nós dois?

— Ingerindo a bebida do concorrente — o homem disse cabisbaixo.

— Exato. Pode imaginar o quanto você será útil para empresa em que trabalho e, especificamente, para a minha carreira? Queremos estudar o seu corpo. Sua autópsia será minha promoção.

Sentindo fraqueza e dificuldade de respirar, o homem admitiu:

— Você me pegou, Clinton.

— Eu sei. Você vai morrer no fim, e não tenho mais dúvidas sobre quem é o protagonista. Garanti o posto nesse terceiro ato.

— Os dois — o homem falou com dificuldade.

— Os dois são protagonistas? Discordo.

— Não. — tossiu. — Os dois vão morrer. Tenho um sistema de defesa que me faz explodir assim que a bebida do concorrente for identificada em meu corpo. Vai acontecer a qualquer momento. Por isso não existem agentes duplos no nosso meio. É impossível traí-los.

Clinton arregalou os olhos. Sentiu a mão de seu oponente segurar com força seu braço. Ou escapava do sujeito que tossia sem parar ou entraria em contato direto com vários litros da bebida concorrente prestes a sair do corpo dele.

— Me solte, por favor! — implorou. — Não vê o quanto ficará ridículo se o conto acabar com todos mortos?

— Você tem uma única chance.

— Qual?

— Um final abrupto que encerre o conto antes da explosão.

3 comentários:

Alexandre Lancaster disse...

Esse foi um conto genial, mas agora fiquei com medo de beber qualquer refrigerante.

Romeu Martins disse...

Também gostei muito do conto.

E coca-cola sempre é útil, nem que seja pra desentupir os canos ;-)

Fernando S. Trevisan disse...

Putaquepariu, vou lá pegar um copo de coca-cola. Genial, excelente! :D

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