8.5.09

Perseguidos

Um casal foge da polícia; qual o crime cometido?

Por Marcelo Augusto Galvão

O fôlego ficava mais curto a cada metro. Ela não agüentava mais correr. O seu companheiro parecia estar na mesma situação.


- Rápido - ele conseguiu falar, ofegante - Os cornos devem estar logo atrás da gente. Se eles nos pegam...


A possibilidade de serem pegos passou pela mente dela. Mas o pensamento sumiu assim que se lembrou do prazer proibido que carregava na bolsa.


- Por aqui, Cinthia!!


Eles viraram numa esquina deserta, tão deserta e suja quanto qualquer outra rua que formava o bairro que tinha a reputação de ser o mais violento e perigoso de São Paulo.


- Pra onde a gente tá indo? - ela perguntou.


- Relaxa, menina! A gente vai se safar dessa - ele sorriu, confiante como sempre.


A rua foi se estreitando até o asfalto esburacado sumir e dar lugar a um matagal. Por detrás do capim e mato que cresciam ali, apareceram as luzes dos barracos de uma favela. Uma vez lá, eles estariam salvos. Por um instante, Cinthia sentiu uma paz recompensadora pelo que tinha feito naquela noite.


Mas foi apenas por um instante. O barulho de sirenes e da pisada de coturnos surgiram às suas costas.


- Merda! - foi a única interjeição encontrada por Periquito para expressar a sua mistura de frustração, angústia e, principalmente, medo. Ele sabia o que acontecia quando a polícia encontrava um traficante como ele. “ A polícia não leva bandido pra cadeia, leva pro IML” era o provérbio mais verdadeiro por aqueles lados.


O casal disparou pelo matagal. No labirinto formado pelas ruelas da favela ainda existia uma esperança. Que desapareceu quando eles se viram cercados por meia dúzia de homens de uniforme e coturnos.


Não havia como se livrar daquilo que seria chamado de “evidência do crime” no processo que Cinthia e Periquito sofreriam, se sobrevivessem. Engolir a “evidência” seria suicídio, tentar subornar os homens uma perda de tempo: o casal não possuía nada para oferecer em troca da sua liberdade.


- Pro chão, seus bandidos! RÁPIDO! - gritou o que comandava o grupo. Eles obedeceram prontamente. Lágrimas brotaram nos olhos da garota quando viu a bolsa ser arrancada dos seus braços.


- Ei, sargento, achamos o bagulho!


- Traz esses dois pra cá!


Ambos foram colocados de joelhos em frente do sargento, enquanto um soldado derrubava no solo tudo que tinha na bolsa. Dezenas de cilindros de fina espessura foram parar na mão do sargento, que uma insígnia identificava como Moraes.


- Onde vocês conseguiram esse bagulho todo? - disse.


Ninguém respondeu. A pergunta foi repetida na forma de um chute no estômago de Periquito.


Um soldado interrompeu a entrevista, apontando para um dos “bagulhos”:


- Olha só esse daqui, deve ter pelo menos uns 6 anos. Ainda tá escrito “Ministério da Saúde informa: fumar é prejudicial à saúde”.


- Quem forneceu essa droga toda pra vocês, hein? - o sargento perguntou - Ou não sabiam que é crime hediondo o tráfico de nicotina no país? - e esbofeteou Periquito.


Tal gesto, na teoria, intimidaria a vítima. Mas o rapaz, cansado e frustrado, respondeu com um “vá pro o inferno”, seguido por uma escarrada que atingiu a calça do oficial. Este replicou sacando o revólver:


- Fumantezinho de merda! - e virando-se para os seus subordinados - Coloquem eles de pé!


Enquanto era levantada, Cinthia olhava fixo para os maços e cigarros espalhados no solo. Tudo o que queria, naquele momento, era sentir a tragada quente escorrendo pela garganta...


- Guimarães, Pereira, venham cá!


...ver a hipnótica e sedutora dança da fumaça em direção ao céu...


- Fiquem a 3 metros de distância deles. Ao meu comando, atirem.


...ou pelo menos sentir o gosto do filtro do cigarro nos lábios. Seria pedir muito?


O sargento foi interrompido pela moça:


- P-por favor, eu gostaria de...fumar...só um pouquinho... - suplicou.


- Como é que é? - o oficial disse, não acreditando no que tinha ouvido.


Ela repetiu a súplica, com a voz um pouco mais firme desta vez.


E apesar de tudo que ocorrera naquela noite, o sargento Moraes ainda estava de bom humor. Um pensamento divertido cruzou a sua mente por um segundo.


- Um último pedido, hein? Vá em frente, moça - ordenou.


Cinthia se curvou e pegou o cigarro mais próximo. Com as mãos trêmulas, colocou-o na boca. Sorrindo maliciosamente, Moraes continuou:


- Precisa de fogo, não é?


Ingenuamente ela concordou, até perceber que era tarde demais...


- Guimarães, Pereira. FOGO!


E os estampidos, tão comuns naquela região, ecoaram pelo bairro.

FIM

9 comentários:

Ludimila Hashi disse...

HAHAHA Adorei, curto e muito eficaz.
(Lembrou - por um único detalhe - o mini da Mhel que não entrou no PBT.)

Romeu Martins disse...

É mesmo, boa recordação!

E o conto do Galvão é rápido e eficiente. Muito atual neste momento de proibições antitabagistas na Vila de Piratininga...

Marcelo Galvao disse...

Valeu, pessoal!
Engraçado que, quando escrevi essa história lá por volta de 1998/99, imaginei o cenário uns 20 anos pra frente. Mas pelo andar da carruagem, acho que ele chega antes.

Romeu Martins disse...

Verdade, Galvão. Acho que ainda veremos uma Marcha da Nicotina pedindo a relegalização do tabaco...

Anônimo disse...

Nossa, foi escrito há tanto tempo assim?! Eu já tinha achado ótimo, agora achei mais ótimo ainda. E a sacada foi muito bem narrada.

Romeu Martins disse...

É mesmo, anônimo. E eu torço para o autor retomar o tema...

Ludimila Hashi disse...

Concordo que o tema rende. E o anônimo era eu de novo, esqueci de assinar.

Eric disse...

HAHAHHA... piadinha sacana! :) Abss!

Romeu Martins disse...

As sacanas são as melhores ;-)

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