13.5.09

Uma parte que não tinha

“Saturno já cobre toda a visão da minha escotilha. Ouço gritos pelos corredores" Por Hugo Vera

Eram 22h13 GMT. A cosmonave Explorer 2-B aproximava-se velozmente da parte exterior da atmosfera de Saturno. Sérgio estava em sua cabine, sozinho, registrando informações no seu diário de bordo. Programou o hipercomputador para que o mesmo transmitisse aquelas informações para a Terra.

“Querida Vanessa,”

“Sei que a incomodo mais uma vez com esta mensagem, mas julguei necessária. Estamos nos aproximando cada vez mais de Saturno. Toda a tripulação do Explorer 2-B está apavorada. É a primeira vez que uma cosmonave tripulada se aproxima tanto deste planeta gigante. Nós não queríamos bater um recorde, nem tampouco entrar para a história. Após meses de viagem desde o espaçoporto de Phobos, em Marte, estávamos preparados para a aerofrenagem. Talvez eu não devesse perder tempo explicando isso. No entanto, sei que não está familiarizada com viagens espaciais. Sendo assim, creio que posso perder alguns momentos explicando-lhe o que está acontecendo.”

“Ao partirmos para Saturno, fomos lançados ao espaço em grande velocidade. Chegando por fim ao nosso destino, iniciamos o processo de aerofrenagem da cosmonave, visando colocá-la em uma órbita suave em torno do planeta. Tudo é matemática. Caso a aerofrenagem não seja calculada de maneira adequada, a cosmonave pode ser lançada para além da órbita do planeta, utilizando a gravidade de Saturno como uma espécie de catapulta, seguindo sua viagem sem destino certo. Ou então, podemos ser capturados pela gravidade deste monstro e cair no planeta. Só para que entenda, a técnica de aerofrenagem utiliza a atmosfera de um planeta para diminuir a velocidade de um veículo espacial, através do atrito com as moléculas de ar, possibilitando colocar o veículo espacial em determinada órbita pré-estabelecida.”

“É o que tentamos fazer. Mas não conseguimos.”

“As mais de 40 almas a bordo desta cosmonave preparavam-se para descer na base espacial em Titã. Todos estávamos ansiosos, afinal não é fácil ficar trancado nesta lata de sardinha por tanto tempo.”

“Ontem pela manhã cruzamos as órbitas das luas interiores do planeta. Os satélites Mimas e Encéladus forneceram-nos fantásticas visões de suas superfícies esburacadas em um melancólico azul glacial. E assim iniciamos assim a aerofrenagem, calculando nossa rota através dos instrumentos de bordo de modo a não sermos pegos pela grande força gravitacional de Saturno. Olho-o agora pela escotilha e tenho calafrios. Nem o magnífico sistema de anéis que tanto embeleza o planeta são o suficiente para tirar essa sensação de vazio que começo a sentir…”

“Tudo era controlado minuciosamente, até a falha geral em nossos sistemas acontecer. O hipercomputador não respondia aos comandos. Maldita Inteligência Artificial! Acionou os propulsores termonucleares e nos lançou sem rumo no espaço. Tentamos resolver a situação, e confesso que isso realmente nos apavorou, afinal, já estávamos em pleno processo de aerofrenagem, como já falei, entrando na atmosfera externa deste gigante gasoso. Mas, tudo foi em vão. Ficamos as cegas.”

“Quando finalmente conseguimos restabelecer o sistema constatamos que era tarde demais. Nossos instrumentos, agora já funcionando, indicavam-nos que estávamos em plena rota de colisão com Saturno. A gravidade havia nos pego de vez e não havia nada que nossos recursos pudessem fazer.”

“Ah, Vanessa. Conseguimos contato com a base em Titã, e aguardamos a chegada de um veículo de resgate, mas creio que a essa altura não há nada que possamos fazer. O resgate não chegará a tempo, e mesmo que chegue, o que poderá ele fazer a uma cosmonave condenada? Correriam eles o mesmo risco de serem apanhados como nós fomos?”

“Malditas máquinas! Ficamos tão dependentes delas! Confiamos tanto nelas e quando mais precisamos, elas nos traem”.

“Desculpe-me, minha querida Vanessa. Eu tinha que mandar esta mensagem a alguém. Achei que você seria a melhor pessoa a ouvi-la. Talvez quando receber esta transmissão, já tenha sido tarde demais”.

“Estou olhando pela escotilha. Saturno ocupa quase 90% do campo de visão e continua crescendo frente aos meus olhos. Vejo o turbilhão de nuvens de sua atmosfera sendo destroçadas pela alta velocidade de rotação daquele mundo. Tempestades e raios. E a sombra negra dos anéis. Temo que estejamos indo direto para a sombra.”

“Ah, Vanessa… Sempre fomos amigos, não fomos? Desde o colégio. Aprendi a gostar de você… E eu sempre quis sair com você. Sempre quis levá-la para assistir a um holodrama comigo ou a um luxuoso restaurante. Mas você sempre me rejeitou. Assumiu depois compromisso com o seu atual noivo e nunca me considerou mais do que um mero amigo. Eu entendia, mas não conseguia aceitar. E assim, mantinha essa esperança de tê-la junto a mim em meu coração.”

“Nunca interferi em sua vida. Jamais quis forçá-la a algo que provavelmente seria contra a sua vontade. Sempre a respeitei. Por vezes tinha medo de tocá-la pois… pois eu não sabia o que pensaria de mim. Ah, Vanessa! Quantas noites passei sozinho, sonhando em acariciá-la, em tê-la para mim… mas… esqueça! Esqueça o que eu disse!”

“Saturno já cobre toda a visão da minha escotilha. Ouço gritos pelos corredores. Definitivamente é tarde. Tenho em mãos uma fotografia sua. Tento me consolar com o seu sorriso, mas o medo toma conta de mim, meu amor. As luzes de emergência foram acionadas e uma irritante sirene está anunciando nosso fim! Não tenho muito mais tempo, minha querida.”

“Vanessa… Apesar de tudo, apesar do seu desprezo… eu sempre a amei. E sempre a amarei.”

“Quem dera se todos nós, simples seres humanos e mortais, pudéssemos amar mais e exigir menos o amor dos que nos cercam. Se Deus nos criou para sermos felizes, por que me sinto tão infeliz agora? Por quê tinha que ser assim?”

“Estou me sentindo sufocado. O calor da minha cabine está aumentando gradativamente. Estamos caindo no planeta. A pressão no casco da cosmonave é cada vez mais intensa. Consigo ouvir o ranger dos metais cedendo. Logo o casco se romperá! Oh! Meu Deus! Seremos esmagados pela gravidade do planeta!”

“Preciso me despedir agora, minha querida Vanessa. Preciso partir… para sempre…”

“Beijos carinhosos para você, meu grande amor. Minha querida Vanessa. A mulher que sempre sonhei e desejei. A mulher a qual sempre amei… mas que nunca me amou. Aquela que poderia ter sido… mas não foi… e nunca será… Você foi a minha outra parte… uma parte que não tinha…”

2 comentários:

Alexandre Lancaster disse...

Pior que sabe uma coisa? Seria legal que de repente a nave viesse. E agora, que ele se declarou, e... sobreviveu?

Morrer é muito fácil. Pior é lidar com a vida. ;)

Romeu Martins disse...

Hehehe, seria algo que iria parar no Youtube daquela época com toda certeza ;-)

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