26.3.09

Geléia, Geléia

Delicioso... Está servido? Por Rita Maria Félix da Silva

Quando o Império Panzhuriano conquistou a Galáxia, as raças sobreviventes foram incorporadas a ele — ou “aculturadas” como a elite da época dizia. Assim, por exemplo, os gedarianos tornaram-se parte considerável da infantaria imperial e os transmorfos prondaxes foram colocados no papel de escravos-artistas ou escravos-sexuais para entretenimento e satisfação das grandes massas.

Problemático, todavia, foi o destino dos humanos: confinados nas fazendas-criadoras, reduzidos a gado de corte e transformados no alimento favorito do Império. Logo comerciantes, políticos e religiosos estabeleceram os acordos necessários para que livros sagrados e dogmas sofressem as devidas alterações. Portanto, breve, foi divulgado a todos os mundos sob o jugo do Império que a humanidade não possuía alma, não sentia dor de verdade e era lícito devorá-la, afinal, como agora ditavam os textos santos, o Deus ou os Deuses haviam criado essa espécie para servir de comida aos panzhurianos.

Porém, mesmo entre os conquistadores, havia quem discordasse desse estado de coisas. Arkanpantur Nauremaque, notoriamente vegetariano, aristocrata e nascido em família rica, tradicional e ilustre, logo se destacou como o maior defensor da humanidade e a voz mais corajosa e insistente a erguer-se contra “aquela carnificina”.

Dizem que Arkanpantur era figura notável. Tão disciplinado, correto e coerente em suas ações que deixava constrangido de inveja determinado número de sacerdotes. E não possuía vícios nem se apegava a luxos, com uma pequena exceção: certa geléia, de cor acinzentada, produzida de forma artesanal em Optimix XII.

Nauremaque amava aquele alimento. Era um de seus poucos prazeres na vida e, enquanto o consumia, com deleite indisfarçável, explicava, não sem certa vergonha, que até as criaturas mais elevadas têm direito a, pelo menos, uma pequena falha.

Ocorria, porém, que a fórmula daquela geléia era segredo guardado com zelo pelos fabricantes, embora o rumor mais corrente afirmasse ser feita de uma variedade de plantas rasteiras — idéia que agradava aos vegetarianos, o principal público consumidor daquele produto. Outra história circulando sobre isso advertia que, semelhante a tantos outros itens da culinária panzhuriana, a base daquela geléia era seres humanos.

Arkanpantur horrorizava-se com a possibilidade, mas jamais deu atenção a esse mito. Claro que poderia ter pressionado um pouco aqui e ali e o segredo da receita acabaria por aparecer. No entanto, julgou mais prudente não mexer no assunto, mesmo porque se sentia confortável com a versão sobre as plantas rasteiras.

Dessa forma, enquanto ele devorava seu prato preferido e ocupava-se de espalhar pela Galáxia discursos veementes contra a exploração da humanidade, em Optmitix XII, os produtores continuavam utilizando o cérebro de humanos para fabricar aquela tão famosa e querida geléia...

Dedicado a Otto Von Dews

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