Texto e ilustrações por Romeu Martins
Isso acontece, até mesmo, no caso mais famoso em que esses dois extremos estão unidos. Estamos falando daquelas fitas que correram o mundo em 1995 mostrando o que seria a autópsia dos ETs do "Incidente Roswell". Esse é o nome pelo qual ficaram conhecidos os boatos de uma nave espacial que, muitos juram, teria caído nos EUA, no dia 4 de julho de 1947 (vários filmes fazem referência à história, os mais recentes são Independence Day e Caso Roswell, respectivamente de 1994 e de 1996). Por todo o mundo, especialistas em imagem garantiram que tais fitas são uma farsa e que os autopsiados são bonecos de borracha como aqueles dos seriados japoneses.
Mas o fato é que, sendo uma farsa ou não, os seres correspondiam à descrição da maioria dos relatos dos chamados contatos imediatos de terceiro grau (além de ser nome de filme de Steven Spielberg, o termo em jargão ufológico trata do encontro entre humanos e extraterrestres). Ou seja, eram humanóides atarracados, com cabeça e olhos enormes e a pele em um tom que vai do cinza ao verde. Dessa forma, chega-se a uma questão interessante: os filmes retratam as criaturas espaciais como seres antropomórficos para serem fiéis a tais relatos ou cada vez mais pessoas, influenciadas pelo que vêem no cinema e na TV, são levadas a crer na existência de homenzinhos verdes? Seria muito simplista dizer que os cineastas procuram ser realistas quando apresentam aliens em seus filmes, afinal essa é a explicação em poucos casos, por exemplo no telefilme Intruders, mas na maioria das vezes as razões são bem diferentes.
A mais famosa delas é a de que ETs infiltrados entre nós são a metáfora perfeita para tratar do medo que temos de quem pensa diferente. Os exemplos de filmes pós-II Guerra apresentando versões espaciais dos soviéticos são clássicos. Em Vampiros de almas (também conhecido por aqui como Os invasores de corpos), a história contada em flash-back mostra uma cidadezinha americana invadida por uma espécie de vagens das quais brotam clones perfeitos dos moradores. O ano era 1956, e bastava dormir para ser substituído por um desses invasores. As criaturas contam seus planos para o casal de mocinhos (Kevin McCarthy e Dana Wynter): criar uma sociedade "em que todos são iguais" e desprovidos de sentimentos como "amor, desejo, ambição, fé". Poderia haver uma melhor descrição da visão de um americano em relação aos comunistas, naqueles tempos de Guerra Fria? Mas é bom lembrar que o diretor, Don Siegel, sempre afirmava que na verdade estava fazendo uma caricatura de seres bem mais próximos da realidade dele: os produtores de cinema.
Exatamente 40 anos depois, A invasão, de David Twohy, utilizou o mesmo princípio para tratar de um novo inimigo dos EUA. É bem verdade que uma cena na qual um alienígena ataca o herói com uma foice faz lembrar do tempo dos comunistas do espaço, mas agora os invasores não são mais da cortina de ferro, do segundo mundo. São do terceiro. Estranhos seres montam bases nos países subdesenvolvidos ("onde não há leis rígidas de controle ambiental") para alterar a Terra, transformando-a em uma segunda versão do planeta deles. Os Ets, que já são antropomórficos por natureza, disfarçam-se de mexicanos, com as características étnicas dos descendentes dos astecas. Quando o mocinho (Charlie Sheen) conta para a namorada a história de aliens invasores, ela responde aproveitando-se do duplo sentido do termo em inglês: "É melhor que você esteja falando de imigrantes ilegais". Os novos invasores da América somos nós, "brazucas", "chicanos" e "cucarachas" em geral que não sabemos cuidar de nossos países e vamos para lá incomodar os coitados.
Outra questão que deve ser levada em conta são as implicações religiosas de ETs antropomórficos nos filmes. A visão de mundo ligada ao cristianismo diz que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Se existir vida fora da Terra, Ele deve ter usado a mesma lógica ao povoar outros planetas - dessa maneira, os alienígenas, e nós mesmos, seriamos todos seres teomorfos, certo? Dando um giro de 180 graus e analisando o caso pela ótica da "religião das ciências", os fatos são bem outros: segundo os positivistas, foi o homem quem criou a idéia de deus à sua semelhança, e não apenas Jeová, como todos os demais panteões, do hindu ao egípcio, são criações antropomórficas. E, em última análise, o que é o conceito de Deus além do de um ser de fora do planeta, ou seja, um extraterrestre?
Não se trata de fazer a defesa das idéias de Erich Von Daniken, o escritor de arqueologia fantástica que acredita na interferência direta de seres de outros planetas na Terra, cujos sinais de sua presença seriam os cultos de figuras míticas. Mas é inegável que o homem procura encontrar repesentações de si mesmo naquilo que escolhe para adorar ou para temer. É natural que se transfira essa analogia para as criaturas de outros mundos que ele se propõe a imaginar. A partir de pequenas variações desse formato é posível construir uma série de simbolismos em torno dessas figuras - as presas e garras com que H. R. Giger produziu os monstros de Aliens e de A experiência representam perfeitamente a idéia do mal; enquanto que os grandes olhos brilhantes e a pequena estatura do ET, de Spielberg, e do mestre Yoda, de Guerra nas Estrelas, despertam simpatia.
A motivação para se criar alienígenas de forma humana pode ter ainda razões bem prosaicas, tal como a falta de dinheiro. E pouca verba e muita imaginação é sinônimo da série clássica de Jornada nas Estrelas, criada por Gene Roddemberry, que deu origem até agora a uma dúzia de longa-metragens para o cinema, desde 1979, e quase meia dúzia de seriados televisivos. Uma de suas inovações estava na tripulação da USS Enterprise. Além de um oficial russo, o piloto Pavel Chekov (interpretado por Walter Koening), em plena época de Guerra Fria, o segundo-em-comando da nave era um alienígena. Para fazer o papel do vulcano sr. Spock, Leonard Nimoy só contava com as famosas orelhas pontudas e um irritante senso de lógica. Outras diferenças anatômicas, como o sangue verde e o coração no lugar do fígado eram só sugeridas ao longo dos episódios.
Existe outra série que também sabe lidar bem com a semelhança entre ETs e humanos que o formato televisivo praticamente obriga a seguir. Arquivo X é aquela mistura de policial-suspense-ficção científica-terror, criada por Chris Carter em 1993. O ponto forte do seriado é o relacionamento de dois agentes do FBI, um extremamente crédulo e outra completamente cética, que investigam casos inusitados, com ênfase nos ligados a extraterrestres. Nos melhores episódios existem evidências que podem se encaixar tanto na ficção quanto em uma perspectiva científica. Um exemplo são os episódios "Os Japoneses" e "O Falso Alienígena" (o título em português é bem inadequado), do terceiro ano da série, disponíveis em vídeo no Brasil na fita Autópsia. O caso parece envolver experiências com híbridos humanos-aliens, mas também há evidências de que os seres encontrados na trama possam ser humanos portadores de hanseníase.
A verdade é que nenhuma das características vistas aqui exclui as demais, e duas ou mais delas (ou ainda outras, como a simples falta de imaginação, presente em dezenas de produções, ou a intenção satírica de filmes do tipo Spaceballs e Mars attacks) podem coexistir em uma mesma obra motivando a apresentação de alienígenas antropomórficos. E quanto a disputa do biólogo Jack Cohen e dos cieneastas para ver quem está certo nessa história toda, só podemos esperar para ver. Veremos se no dia em que fizermos contato vamos encontrar do outro lado da linha homenzinhos verdes ou simplesmente um bando de melecas esverdeadas.
6 comentários:
Eu *precisava* ter lido essa matéria há mais tempo!
Uma visão necessariamente flexível se manifesta por trás dos exemplos citados. Isso deve ser um alívio para autores de FC com imaginação para continuarem criando aliens dos mais variados tipos.
...nos mais diversos contextos.
Ah, e achei as ilustrações fofas e estilosas.
Eu já tinha lido esta matéria e comentado - muito interessante.
Como qualquer aspecto ficcional - em literatura, cinema ou outros bichos, o aspecto de ETs é tambem condicionado pela realidade histórica, social ou pessoal do autor.
beijão,
merrel
Verdade, merrel. O mais importante é deixar a imaginação fluir e analisar caso a caso se o resultado foi bem sucedido.
Brigado pelo "fofas e estilosas", Ludi.
Beijões às duas.
Gostei da matéria e das ilustrinhas.
Deu vontade de escrever histórias ufológicas, gênero do qual jamais fui um grande fã.
Valeu, Octavio.
Também tenho certo bloqueio pra imaginar histórias ufológicas entre outras (acho que sou partidário do mundane sf) mas gosto paca de ler sobre.
Abraço
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