24.8.09

"M" - Uma Pentalogia

A vida enxergada através de uma antiga janela

por Rita Maria Felix da Silva


I- Marina

Na tarde fria e silenciosa de inverno, enquanto a terra descansava após chuva tão prolongada e o céu, pesaroso, escondia seu azul atrás das nuvens... Um vento intranqüilo soprava por aquela região, sobre a vila e os campos e na colina...

A casa abandonada ficava no topo da colina. Era uma construção secular, grande e firme, de arquitetura cinzenta e melancólica, ao seu redor estendia-se um jardim invadido por ervas daninhas, e suas janelas pareciam observar o mundo com infelicidade inconsolável.

Dentro da casa, Marina aproximou-se da janela. Seus olhos, através da vidraça, fitavam cheios de desejo e tristeza a vila lá embaixo.

— Não devia fazer isso. Seus pais vão reclamar.

Ela não se virou, pois sabia quem havia falado.

— Por que, Tia Matilde? — indagou Marina — Tenho tanta vontade de estar com o povo da vila.

— Para que? Nosso lugar é aqui.

— Eu... Anseio pelo que eles têm... Comem... Bebem... Fazem amor... Eles...

— Vivem, é a palavra que você está procurando, — completou Tia Matilde — é o tempo deles, não o nosso. É assim que o mundo funciona.

— Não entendo, tia. Meu coração suplica por contato, por ter o que aquelas pessoas têm.

— Você não tem mais coração, querida. Aliás, nenhum de nós tem. Já ouvi falar de alguns de nosso povo com idéias como essas suas. Acredite, o resultado nunca foi bom...

—... Fico confusa... Diferente da senhora e dos outros... Não sou apática, nem fria... Por que me sinto como se fosse um deles lá embaixo?— lamentou Marina.

Tia Matilde suspirou:

— Deve ser o destino fazendo uma piada de mau gosto. Às vezes, acho que a grande verdade por trás de tudo não é mais que isso... Bem, saia daí, mocinha, venha comigo. Você tem quase um século e meio de idade. Já devia estar acostumada.

Extremamente infeliz, Marina seguiu a tia pelos corredores sombrios e empoeirados da casa e amaldiçoou a si mesma por não ser capaz de chorar. Afinal, fantasmas não têm o privilégio das lágrimas.

FIM
Dedicado a Wesley Felipe de Oliveira (Monsieur Henri Corredeiras)

21.8.09

Praticamente o cão

Treze perguntas para José Mojica Marins, ou só Zé do Caixão


"Quando novo, sempre procurei mulheres bonita que eu pudesse namorar e transformar em estrelas de meus filmes. Os irmãos delas trabalhavam como equipe técnica". Aprendendo na prática, e passando a lábia em jovenzinhas, Mojica Marins iniciou sua carreira cinematográfica como diretor e como o personagem Zé do Caixão, que com seu jeito peculiar de falar (o qual transcrevemos ipsis literis na entrevista, para não perder o "charme" do original), trajes funestos (incluindo uma cartola) e pragas mortais, conquistou uma leva de fãs e seguidores.

No Brasil, seus filmes não foram muito apreciados, caindo na categoria dos trash movies (quem não lembra do Cine Trash, nas tardes da Band?), mas no exterior o Coffin Joe (tradução literal para o inglês do nome do personagem) faz o maior sucesso. É arte apreciada por fãs que nem um pacto com o pé-preto conseguiriam conquistar. Até a filha de Boris Karloff (o mais famoso Frankenstein dos filmes) se sentiu no dever de presentear o artista com um anel (caixãozinho) para homenageá-lo.

Tudo que foi conquistado pelo herói nacional das trevas se deve a paixão que ele mesmo afirma ter pelo cinema. Em certa filmagem precisava ter a cena de uma mulher sofrida parindo. "Não sei como é isso, nunca tive filho", afirmou a atriz. Procurando dar um jeito na situação, Zé perguntou-lhe se podia causar-lhe dor, e depois de um sim mandou iniciar a filmagem. Torceu-lhe o dedo do pé até ela berrar feito uma porca indo pro sacrifício. "Eis a dor do parto", exclamou Zé do Caixão. Todas essas informações foram dadas pelo próprio, numa palestra do Festival Multimeios, organizado pelos alunos dos cursos de Comunicação da Unisul, de Palhoça (SC), da qual a equipe d'O Malaco fez questão de participar e, aproveitando a oportunidade, de descolar uma exclusiva que você pode ler agora. É só seguir o caminho do inferno... Descer.

1-Não sei se o senhor conhece a geografia catarinense, mas aqui no sul do estado existem três cidades próximas uma da outra chamadas Turvo, Ermo e Sombrio. Contar a história deste triângulo maldito não daria um filme do Zé do Caixão?
Zé do Caixão - Realmente não tava sabendo disso. Isto me interessava, se tu tiver algo sobre isso eu mesmo bolaria algo pra fazer. Eu já fiz algo em torno de Santa Catarina, mas não foi, realmente, uma fita que eu gostava. Fizemos aqui uma espécie de bangue-bangue... Era o nome de um político, aí, o João Amorim [n.e.: um lageano que se intitula artista do rádio, da cinema, do disco e da TV, cujo filme mais conhecido é Calibre 12]. Era A Volta de João Amorim. Participei de ator e tal mas é, realmente, uma porcaria.

2 - É como o senhor sempre reclama: ele é uma pessoa que faz covers de filmes de fora. Mas o senhor conhece a produção de outros cineastas locais, como o Peter Baierstorf, diretor de O Monstro Legume do Espaço?
ZC - Ah, esse daí eu conheço. Acho que eles são batalhadores, estão no caminho certo. O pobrema de você hoje é fazer, não importa o quê, mas você tem que fazer. Se você continua fazendo, você vai aprendendo e chegando cada vez mais perto da forma ideal do que você quer fazer.

3 - Tem o Boni Coveiro, que tirou segundo lugar no concurso que o senhor promoveu para escolher um possível substituto, e que está produzindo filmes no oeste catarinense. O senhor ainda tem contato com ele?
ZC - Não tô tendo contato, porque minha vida tá muito corrida, não só pelo Brasil todo como também pelo exterior. Mas eu acredito que logo mais eu vou ficar mais pegado em São Paulo e o pessoal deverá entrar mais em contato comigo.

4 - O senhor recebe muitos filmes de produtores independentes?
ZC - Recebo, recebo, realmente. E naquilo que eu posso dou minha opinião e mando para a pessoa que me mandou a fita.

5 - E sobre essa busca incessante do Brasil atrás do Oscar, o senhor não acha que deveríamos procurar outros mercados? O Oscar é um espelho da produção mundial?
ZC - O Oscar é algo mais ou menos político e de repente, às vezes, não há interesse de dar a um país, e sim de dar para um outro. Existe uma política no meio. Então nós temos que tirar isso da cabeça, e acredito que o Brasil pode formar uma espécie de Oscar. Eu considero a Palma de Ouro muito mais valiosa do que, praticamente, o Oscar.

6 - Por falar nisso, sua videobiografia, feita pelo André Barcinski, foi premiada em Sundance...
ZC - Sundance eu considero o maior festival do cinema independente que se tem. E acho que a gente tem capacidade para se fazer um festival assim aqui. Nós temos aqui Gramado que faz um negócio doido. Poderíamos partir dai e fazer uma espécie de Oscar.

7 - E essa videobiografia e o livro, o que o senhor achou do resultado, ficou interessante?
ZC - O livro [Maldito] não. O livro, até os anos 70, ele [ Barcinski] foi fiel demais. Depois dos anos 70 ele foi levado por muitas entrevistas que fez e de repente tem muita coisa que não condiz com a realidade. Agora o filme não, o filme tá realmente enquadrado naquilo que eu fui, naquilo que eu faço.

8 - Quais os pontos do Maldito dos quais o senhor não concorda?
ZC - Depois dos anos 70 em diante. Daí eu acho que ele teve que correr demais e acabou pegando opiniões de muitos elementos, onde muitas vezes as pessoas que deram entrevistas pra ele eram vilão e, de repente, se tornam heróis. E aquele que era realmente herói se torna vilão. E foi invertida muita coisa dentro lá da biografia.

9 - E como está a questão da conservação da sua filmografia? Eu li que muitos originais estavam se deteriorando.
ZC - Nós estamos lutando pra recuperar, realmente, os filmes, e acredito que até o ano que vem a gente vai conseguir ajuda de fora. Eu tô com uma das maiores cinematecas do mundo, que é a cinemateca da França, que vai me homenagear no meio do ano que vem. E com certeza ela vai pegar as minhas fita pra tentar uma recuperação.

10 - Durante a palestra o senhor falou de uma parceria entre dois grupos, um do sul outro do norte, para financiar novos projetos seus. Poderia nos dar algum detalhe?
ZC - Um deles, do sul, é o Denílson [n.e.: esse a gente não conhece], que fez o Noturno, e ganhou vários prêmios lá fora, no exterior, ganhou prêmios aqui. Ganhou agora prêmio em dinheiro pra fazer um outro curta. Ele é um dos elementos que se associou com outros elementos, realmente, do norte e ele tá agora em São Paulo juntando um grupo e tá correndo com o roteiro que tão entrando no tal do áudio-visual. Ai eles vão, realmente, levantar essa verba e vai ter novidade, com certeza, no ano que vem.

11 - Sua obra só começou a ser reconhecida no Brasil depois de ter sido aclamada no exterior. Como o senhor vê essa posição da crítica brasileira? Coffin Joe é mais reconhecido que Zé do Caixão?
ZC - Hoje, lá fora, até os europeus estão tentando falar "Zé do Caixao", como eles não tem acento. Então eu tenho ido por muitos lugares e eles têm dito "Zé do Caixao". Claro que Coffin Joe é mais fácil pra eles, mas eles querem, como homenagem chegar assim perto de mim e falar [emposta a voz] Zé do Caixãoooo... Eu acho muito bacana. Agora, eu acho, realmente, que estamos no quarto mundo, entende? Então esse pobrema de ter reconhecimento lá e ter reconhecimento agora aqui, acho essa coisa lógica pra quem tá abaixo do primeiro mundo.

12 - E o senhor tem contato com esses grupos do primeiro mundo que o admiram tanto, como o White Zombie, os remanescentes dos Ramones...
ZC - Tenho, tenho, com todos eles, o Pantera, com todos eles eu tenho contato. Eu devo fazer agora um negócio de rock, aí e vai ter várias bandas que vão mandar as músicas para... é, realmente, um CD que eu vou publicar.

13 - Ou seja, se tem alguém que pode fazer um filme com a melhor trilha sonora do mundo é o senhor?
ZC - Eu acho que sim. Eu vou ter aí todos os caras do mundo me ajudando, então eu acho que vai sair uma trilha da pesada.

Entrevista: Flávia Melissa/Frederico Carvalho
Gabriel Rocha/Romeu Martins
Foto: Frederico Carvalho

Entrevista originalmente publicada na edição nº 6 do e-zine O Malaco

19.8.09

Chamada para coletânea cyberpunk

Atenção: o prazo para entrega dos textos foi prolongado para o dia 10 de outubro.

O convite abaixo acaba de ser publicado por Gianpaolo Celli na comunidade da Tarja Editorial, no Orkut:

CYBERPUNK - Histórias de Um Futuro Extraordinário

Apresentação
A idéia deste projeto é criar um livro de autores diversos em que cada história seja independente, trabalhando de maneiras diferentes o conceito deste subgênero da ficção científica.
As histórias poderão ocorrer em qualquer tempo e realidade, desde que sejam trabalhados um ou mais paradigmas que se consagraram como modelos do Cyberpunk, como: alta tecnologia/baixo nível de vida, tecnocracia, realidade virtual, implantes biônicos, direcionamento a pós humanidade, e afins – desde que naturais ao Cyberpunk.

Proposta
A intenção deste projeto, denominado Cyberpunk – Histórias de um Futuro Extraordinário, é criar um livro com entre 8 e 12 histórias, visando à integração e partilha de pontos de vista deste subgênero literário.
Os textos deverão ser escritos na forma de noveletas. A forma narrativa é livre mas não serão aceitas poesias e suas variações implícitas.
Todos os custos de seleção, preparo e criação são de responsabilidade da editora, sem nenhuma participação financeira da parte dos autores; destes não haverá nenhum tipo de compromisso que não seja o de divulgação da obra e dos demais escritores ali apresentados.
Os autores selecionados receberão três livros (os quais serão entregues durante o lançamento, a ser agendado futuramente em ocasião da conclusão e divulgação da obra), ficando estes a título de direito autoral.

Formato
O livro será diagramado em formato 14x21cm e cada autor terá aproximadamente 30 páginas para seu trabalho. Apenas para idealizar o tamanho dos textos em sua preparação, deve se ter em mente algo entre 20 e 30 mil toques, contando com espaços (entre 12 e 15 páginas no formato padrão A4, espaço entre linhas simples, fonte Times New Roman corpo 12, e margens definidas no modelo Normal).

Prazos
Os textos deverão ser entregues por e-mail no endereço informado abaixo até o dia 10 de outubro de 2009 em arquivo .DOC ou .RTF.

Informações
Tarja Editorial – e-mail: cyberpunk@tarjaeditorial.com.br

18.8.09

Mais um pouco de Paradigmas 1

Agora foi a vez do escritor e publicitário Tibor Moricz comentar a edição de estreia da coleção Paradigmas. Para tanto, só tive que fazer uma ligeira pressão psicológica. O resultado pode ser conferido no blog dele, inaugurado há pouco, mas, como de hábito, sequestro a parte em que ele escreveu sobre meu conto (e fez algumas especulações sobre criador e criatura):

A Teoria na Prática – Romeu Martins

Acho que o Romeu é o líder da organização que visa lançar o mundo no caos da informação e desinformação. Acautelem-se!! Um bom conto.

17.8.09

Engrenagens aparentes

Acabo de publicar uma matéria sobre a cultura steampuk e como ela vem se desenvolvendo no Brasil no site Overmundo. Quem puder, confira o texto e, se gostar, dê seu voto para o tema ganhar destaque naquele portal. Abaixo, o início do artigo que pode se lido aqui:

Uma espécie de nova Revolução Industrial chega ao Brasil e atrai interesse internacional. Chamada ao gosto do freguês de modismo, tendência, hype, cultura, manifesto, tribo urbana, estilo entre outras classificações a verdade é que o steampunk conquista adeptos, ganha forças na Internet, em eventos públicos e até na literatura enos quadrinhos, como uma vertente da ficção científica. Pelo nome e pelo parentesco com a FC mesmo quem nunca ouviu falar – ou que não tenha ligado o termo à realidade prática – deve imaginar que exista semelhança estética ou filosófica com o cyberpunk, tão popular que praticamente é sinônimo do gênero como um todo para muita gente que consumiu livros, filmes, HQs e jogos de RPG nos últimos vinte anos. De fato, a semelhança é real, se o foco de uma é especular sobre a cibernética em um futuro próximo, a da outra é imaginar tecnologias possíveis, geralmente movidas a vapor (steam, em inglês), com direito a molas, engrenagens e alavancas, no século retrasado, uma espécie de retrofuturismo. Mas vamos por partes.

13.8.09

A cura para o tédio

Um conto em comemoração ao Dia do Vampiro em São Paulo
Por Martha Argel

Não gosto de tédio. Quero ação. Diversão. E não tenham dúvidas, não espero cair no colo. Vou atrás.

Hoje, por exemplo. Depois que anoiteceu, e não sou de perder tempo, a janela estava ali, aberta para a noite, e eu com fome, tesão quem sabe, talvez durante o dia um sonho molhado com um bom amante há muito devorado. Sem dúvida, uma boa dose de adrenalina não viria mal.

À caça, portanto!

Sabia onde. Uma avenida movimentada. Prostitutas até o 1700, travestis daí em diante, e os moradores escondidos detrás de portas e janelas fechadas, falsa normalidade. Uma sombra perto da esquina, altura do 2000, mais que perfeita para minha tocaia. Nada longa, a tocaia, menos mal. Logo um boyzinho, Golf prateado quase zero, encostou, disposto a negociar com a mulher alta e esguia que não era mulher, mas que homem também não era. Foi a hora que escolhi para aparecer. O ser andrógino se enfureceu, tá querendo roubar meu ponto, piranhinha vagabunda? E veio pra cima de mim, com uma faca que, bom, fui eu quem usou na barriga dele/dela. Sangue desperdiçado, mas não era ele/ela quem eu queria, era o boyzinho e seu olhar de choque aterrorizado, próximo alvo, desta vez de meus dentes, logo depois que o puxei para fora do carro, enquanto a criatura nem homem nem mulher agonizava na calçada, contorcendo-se numa poça malcheirosa de seus próprios líquidos e excreções.

Hum. Sangue forte, denso, saudável não fosse pelo aftertaste de colesterol, e... que mais... vejamos... álcool, cheira a whisky, e ah, claro, cocaína circulando pelo corpo, no sangue, agindo nos pontos certos do cérebro, como deve ser, cumprindo seu papel e alterando percepção, prazeres, tédio. Deixando o cara ligado.

Hum.

Foi boa a ação, ah, sim, foi muito boa.

Como eu disse, não gosto de tédio.

Esse boyzinho ainda está comigo. Um pouco menos ligado, amedrontado, fraco pela perda de sangue, é verdade, mas está aqui, no banco do passageiro, enquanto me divirto, música alta e o carro alucinando sob meu controle pelas avenidas paulistana. Velocidade, sangue, talvez algum sexo daqui a pouco, e antes do sol sair, menino bonito, seu tédio acaba para sempre. Te prometo. Hoje me sinto um anjo de piedade.

Ei, você aí, quer que eu acabe com seu tédio também?

11.8.09

Mais novidades no 13 de agosto

Ivan Hegenberg autor de um dos livros de Ficção Científica mais interessantes lançados nesta década - Será, da editora Ragnarok, já resenhado por mim que também entrevistei o escritor - também vai por uma obra nova nas livrarias. Aproveitando para agradecer o exemplar do Portal Stalker que ele me enviou - mais comentários em um post futuro - reproduzo abaixo a capa de Puro Enquanto e a chamada que o paulistano fez em seu blog para o evento, que ocorre no Espaço Barco Virgílio. Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, n° 426, São Paulo, a partir das 19h. Muito sucesso ao meu esteta favorito da FC nacional!



Amigos
Convido a todos para, no dia 13 de agosto, celebrarmos uma série de erros. O primeiro deles, claro, é a pretensão de um jovem de se declarar escritor em pleno século XXI e em um país de iletrados. Os erros não param aí: o autor poderia ao menos escrever sobre auto-ajuda, ocultismo, fofoca, feng shui ou dicas de relacionamento. Não, o pobre insiste na literatura. Consome dez anos em um livro, tão sonhador quanto o personagem principal, tão afastado da realidade quanto aquele que delira em coma. Ousa experimentar, mistura texto e arte visual, procura a dicção dos sonhos, e apesar dos pesares, acredita que a arte está viva. Falando um pouco mais sério, Puro enquanto já começa sob um certo fracasso. Ganhei uma bolsa para realizá-lo – o PAC, Programa de Ação Cultural - mas o livro estourou o orçamento. A vontade de inovar custou caro, e mesmo com patrocínio, estamos no vermelho. Isto significa que, se eu não contar com o prestígio de vocês, simplesmente não vou poder lançar voos semelhantes no futuro. Quem é da área sabe o quanto é difícil convencer um editor a correr riscos, e se o livro não chegar aos leitores, meus próximos projetos não vão deslanchar. Peço, humildemente, para que me deem uma força da maneira que puderem.


Compareçam, tragam amigos, divulguem, participem.
Grande abraço para todos e até logo!

10.8.09

Dia 13 de agosto vem ai

Este blog dedica mais espaço à Ficção Científica que a outros representantes da literatura fantástica, mas é bem verdade que o terror também aparece vez ou outra por aqui. E na próxima quinta-feira celebra-se uma data importante para este gênero: o dia do Vampiro. Criado pela atriz e escritora Mariliz Marins - intérprete da Vampira LizVamp, filha do Zé do Caixão - a efeméride é uma boa oportunidade para festejar a criatura mais emblemática e preferência nacional quando se pensa em terror no Brasil.

Neste ano, está programado um cortejo de vampiros na Avenida Paulista, com a presença deLizVamp. O encontro será no vão livre do MASP ÀS 10 h da manhã, e de lá, todos irão para o Hemocentro, onde os participantes inverterão o fluxo natural e doarão sangue ao invés de sugá-lo.

Também no dia 13, haverá o lançamento de uma coletânea dedicada às criaturas da noite. O livro se chama Território V - Vampiros em guerra, publicado pela editora Terracota, que reúne vinte autores, entre novatos e veteranos. O organizador da obra, Kizzy Ysatis, falou sobre o projeto para o portal Fantasik. Leia um trecho a seguir:

Eu sabia que encontraria os contos certos, e encontrei, e são maravilhosos. Foi verdadeira caça ao tesouro. Os vampiros estão lá, claro que não trairia o mito, mas também está O NOVO. Então, não vou estragar as surpresas falando mais, mas tem muito conto mascarado de mesmice, só para “Nhackt!” (como diz a Lygia), te abocanhar com a surpresa, acaso não é essa a função do bom conto? E a maioria das narrativas vem na sutileza da literatura, nada à mostra, você só vai encontrar os sabores se degustar o perfume, mesmo lendo de uma assentada, como sabiamente instrui Poe.


O evento começa às 18h30 na Livraria Martins Fontes, também na Avenida Paulista, 509 (perto da estação Brigadeiro do metrô).

Para comemorar a data, devo publicar nos próximos dias um conto vampiresco de Martha Argel, que já participou deste blog com treze microcontos de terror, e também uma antiga entrevista com o cineasta Zé do Caixão, que nos respondeu treze perguntas sobre sua vida e obra tempos atrás. Boas mordidas a todos!

6.8.09

Novas impressões sobre Paradigmas

A Coleção Paradigmas já se encontra em seu terceiro volume, dando mostras de que é um projeto consolidado da Tarja Editorial. Para minha surpresa, a edição de estreia - na qual foi publicado o primeiro conto do universo dos Terroristas da Conspiração - continua atraindo atenção dos leitores e mais de leitores resenhadores.

Descobri duas novas resenhas do livro, com opiniões diversas mas bastante coerentes e equilibradas sobre a obra em geral e meu conto em particular. Pela ordem, a primeira foi a crítica de Ana Carolina Silveira em seu blog Leitura Escrita (belo nome!).

Ela abre sua resenha com uma introdução aos objetivos da Coleção Paradigmas:

O que se produz hoje em matéria de ficção fantástica no Brasil? Nós, brasileiros, deixamos a desejar comparados com autores de outras nacionalidades?

Com o objetivo de responder a primeira pergunta, em um manifesto de “estamos aqui, produzindo, e não devemos nada para ninguém”, a Editora Tarja lançou a coleção Paradigmas: por que não mostrar que nós estamos aqui, produzindo e criando?

E, também, por que não podemos quebrar paradigmas antigos – e até mesmo criar novos?

Foram escolhidos então, para o primeiro volume, treze contos de treze escritores de estilos e temáticas diferentes.


Passa então a comentar cada um dos contos, como pode ser lido neste post, mas vou capturar o trecho que fala do meu texto:

A Teoria na Prática, de Romeu Martins: Um conto que não é fantástico mas que versa sobre um tema que mora ao lado: a teoria da conspiração (às vezes ela é mais fantástica do que uma horda de orcs de vestidos de oncinha dançando a macarena, afinal). Doses maciças de ironia e humor negro em uma trama bem-construída. Fiquei curiosa por mais contos no mesmo universo e temática. :D


Minha outra descoberta é uma resenha da Rede RPG assinada por Igor "Valente". Curiosamente, a estrutura do texto é a mesma da anterior. Vamos, então, a introdução:

Lançado pela pequena Tarja Editorial com o intuito de “quebrar paradigmas” no campo da literatura de ficção científica, o livro Paradigmas – Volume 1 já vale a pena pelo preço, meros R$ 13,00. É interessante ressaltar que propostas assim deveriam ser mais comuns em se tratando de literatura nacional, pois é um estímulo a mais para comprarmos. Além disso, o livro é bem diagramado, possui uma bela capa e alguns bons contos em suas quase 120 páginas.

Apesar disso, o livro peca em alguns pontos. Em primeiro lugar, pela falta de unidade no que se refere ao gênero literário abordado. Muitos contos não podem ser incluídos, definitivamente, no gênero ficção científica, tendendo para o fantástico. Em segundo lugar, há a própria questão da qualidade dos textos. Há contos excelentes e contos mais fracos, alguns tendendo para uma sexualidade forçada. Em terceiro lugar, há a própria proposta do livro (quebrar paradigmas) que, sem sombra de dúvida, não acontece. A grande maioria dos contos, por exemplo, se vale de uma estratégia absolutamente comum na literatura brasileira contemporânea, a releitura, o diálogo com outras obras e gêneros para fundar a narrativa. É claro que a motivação da obra (lançar um livro de ficção científica com autores brasileiros) é louvável e muitos contos são realmente interessantes e, nesse sentido, é uma obra que merece ser comprada.

Portanto, como é uma obra de altos e baixos, não vamos fazer uma análise global, preferindo deixar algumas observações sobre cada um dos contos apresentados.


E, novamente, vou pinçar a opinião sobre meu conto:

A teoria na prática, de Romeu Martins: O conto se vale mais de uma linguagem dissertativa, em primeira pessoa, com muitos diálogos, para construir a sua história. Dessa forma, consegue mostrar um ponto de vista interessante, mas, como o anterior, explica demais. Seria uma história muito mais interessante se sugerisse mais e nos deixasse na dúvida, em vez de com todas as respostas prontas.


"Valente" ainda faz uma avaliação dando notas, de 1 a 6, para Trama, Texto e Narrativa da obra como um todo, marcando uma média de 5 para o livro.

São duas excelentes resenhas e fiquei muito feliz por ter tido a oportunidade de encontrá-las. Acho que só devo fazer alguns esclarecimentos quanto a questões de enquadramento de gênero. "A teoria na prática" foi pensado como um representante de uma vertente pouco conhecida no Brasil da Ficção Científica chamada Mundane. É uma versão um tanto mais restritiva e, na minha opinião, cínica, da FC. É algo fronteiriço com a literatura mainstream, por isso acho natural que alguns críticos não a considerem dentro do gênero fantástico, como fez Ana Carolina.

Um outro ponto, que talvez tenha afetado a visão de "Valente" em relação ao livro, é que Paradigmas não se trata de uma coletânea exclusivamente de FC como ele diz. A ideia original do organizador, Richard Diegues, era de lançar, sim, edições temáticas com as três grandes áreas da literatura fantástica: FC, Fantasia e Terror. Mas acabou optando por não fazer distinção tão clara entre os contos, até porque, na maioria das vezes, os melhores textos fogem a interpretações tão rígidas, unindo elementos de dois ou mais desses gêneros e de outros mais, como o policial, suspense, contos filosóficos e mainstream.

No mais, meu muito obrigado aos dois resenhistas!

5.8.09

O alienígena perdido

Uma história de primeiro contato
Por Afonso Luiz Pereira

Observo, pensativo, o alienígena à minha frente.

Que criatura horrível! Creio que já decidi o seu destino!

Quando o trouxemos para dentro de nossa espaçonave, adotamos todas as medidas de prevenção, como exigia a situação. A criatura estava inconsciente, mas limpa! Os micro-organismos que constituíam parte de seu corpo não podiam nos atingir. De qualquer forma, dada a singular descoberta daquela cápsula de sobrevivência a deriva no espaço, pelos menos assim se apresentava, achamos sensato mantê-lo isolado até que obtivéssemos informações mais consistentes.

A tecnologia da cápsula de sobrevivência alienígena era, até certo ponto, sofisticada e muito prática, porém não se poderia comparar com a eficiência das nossas. O sistema de manutenção de vida deles era arcaico não permitindo um controle rígido sob o retardamento sistemático e rápido da renovação celular, característica pertinente à natureza de sua formação física. Aquele ser envelhecera no espaço e, ao que tudo indicava, parecia estar entrando em sua fase final de vida.

Juntamente com ele, fortemente apertado em um dos filamentos que se lhe projetavam do corpo, encontramos um artefato tecnológico interessante. Era uma caixa pequena, cheia de botões coloridos, que tentamos analisar com cuidado. Poderia ser uma arma! Um mecanismo auto-destrutivo! Um sinalizador para outros de sua espécie, o que nos deixou apreensivos porque, quem vai saber, talvez tal criatura fizesse parte de uma raça usurpadora de outros mundos. Uma raça com motivações bélicas. Uma raça guerreira! Sempre tivemos medo, em nossas viagens temporais pelo universo, de esbarrar com alienígenas nada amistosos. Então, tínhamos de descobrir a capacidade tecnológica deles!

Mas a tal caixinha, acabamos descobrindo acidentalmente, não passava de um repositório de informações e imagens da cultura alienígena de onde aquela criatura horrenda viera. Levamos algum tempo para analisar as imagens e os grunhidos que eles emitiam entre si como forma de comunicação! Investimos nossos melhores cientistas nesta área para decifrar a sua linguagem e depois de alguns ciclos de intenso trabalho, obtivemos a real dimensão do contexto em que se encontrava aquele espécime perdido no espaço.

A história dele, é bem verdade, era patética! A “coisa” se achava o último de sua raça e trazia com ele material genético para florescer em outro lugar mais aprazível. Não acho que valha a pena entrar em detalhes de sua história. Vou restringir-me, portanto, a um breve resumo.

O planeta da criatura, em agonia, já definhava a quase 2 séculos. Suas reservas naturais e as condições climáticas que permitiam a manutenção de vida foram se exaurindo aos poucos pela contaminação dos seus próprios habitantes. Em meio a disputa por um líquido precioso que chamavam de “água”, fonte de vida primária de subsistência, houve guerras entre as facções mais fortes. Armas de destruição em massa foram acionadas. Aconteceu o caos!

Antes do colapso total, uma espaçonave, tripulada por cientistas, foi lançada ao espaço com objetivo de perpetuar a espécie em outro lugar! Decorridos alguns anos, infelizmente, um aglomerado de asteróides atingiu a espaçonave comprometendo a vida da tripulação. Entre eles, num acordo bastante polêmico, escolheram alguém mais jovem que pudesse ficar na única cápsula de sobrevivência que ainda funcionava. Deram-lhe material genético e a caixinha em suas mãos: o legado de uma espécie condenada à extinção que se autodenominava orgulhosamente de “A Raça Humana”!

Agora, observo o alienígena deitado a minha frente. Criatura horrível! Há uma protuberância orgânica na parte superior do seu corpo esguio que encerra toda a sua inteligência e possibilita-o, através da mesma, expedir comandos neurais para a locomoção do próprio. Ainda bem que não precisamos de tal expediente para prover nossos corpos de mobilidade!

Bem... a intenção deles de perpetuar a espécie, há que se dar crédito, foi muito inteligente. Uma das luas de nosso planeta, que é do tamanho do planeta deles, pode bem servir para oferecer as condições necessárias para voltarem a prosperar, mas...

Já decidi o seu destino!

Não vou lhes dar esta chance!

Não é pela feiúra deles, não! Já nos relacionamos com criaturas igualmente feias. É porque fico imaginando que se eles tiveram a coragem de se destruir mutuamente, imagine só o que eles não fariam se pudessem entrar em contato com outras culturas! Suas armas de destruição em massa poderiam seriamente nos comprometer também!

Por isso, vou colocar o alienígena, último remanescente de sua raça, com a sua caixinha e material genético, dentro da cápsula de sobrevivência e enviá-la para a estrela incandescente mais próxima!

Posso até estar cometendo um grave erro, mas acho que tal espécie não merece florescer novamente em nosso universo!

2.8.09

Steampunk - A primeira resenha

Por Giseli Ramos

Já ouviu falar de steampunk? Se não, a explicação curta: ficção ambientada na era vitoriana, com o uso da tecnologia das máquinas a vapor alçada ao seu maior desenvolvimento possível – isto é: o que poderia acontecer se tivéssemos ido além dos navios e trens a vapor e se as máquinas mecânicas de Babbage tivessem vingado?

Uma explicação mais longa e bem mais detalhada foi feita pela Ana Cristina aqui. Um excelente post para situar os desavisados =)

Esses dias uma coletânea steampunk me surpreendeu. Melhor ainda, uma coletânea brasileira! Algumas histórias são situadas na época do Brasil Império, quando os trens a vapor eram bem comuns por aqui. Mas há também histórias bacanas de outras partes do mundo.


Comentarei rapidinho sobre cada um dos contos:

O Assalto ao Trem Pagador, de Gianpaolo Celli – Apesar de ter achado um pouco confusa algumas descrições de cenas, a história é bem legal e dá uma causa diferente e interessante à Guerra Franco-Prussiana.

Uma Breve História da Maquinidade, de Fábio Fernandes – Fantástico conto steam adaptado de “The Boulton-Watt-Frankenstein Company” (também escrito pelo Fábio), onde ele expande a história de Victor Frankenstein, que não para no primeiro experimento apenas, também se volta às máquinas e não imagina suas consequências futuras.

A Flor do Estrume, de Antônio Luiz M. C. Costa – A história é legal, se passa numa linha alternativa onde o Brasil já é uma potência respeitável, comparável à Inglaterra. A trama se trata basicamente da medicina andando de mãos dadas com o avanço tecnológico a vapor. Eu só achei a linguagem um tanto rebuscada demais e tem vez que a leitura não flui legal. O autor podia ter pegado mais leve na linguagem. Fora essa parte, o conto é bem bacana de se ler.

A Música das Esferas, de Alexandre Lancaster – Conto leve e bem divertido de se ler. Até se parece com uma HQ bacana ambientada na era do Brasil Imperial. Narra sobre as aventuras e problemas que um adolescente inventor tem que resolver. Soube há um tempinho que está em projeto (ou foi lançado já?) uma HQ justamente sobre o herói e personagem principal do conto.

O Plano de Robida: Un Voyage Extraordinaire, de Roberto de Sousa Causo – Conto com várias referências a personagens reais e ficcionais, muito bacana de se ler. Eu achei legal ver Landell de Moura e Santos Dumont em ação, coisa raríssima de se ver na ficção. A trama flui bem, com engenhos a là Verne e aprimorados com o máximo que a tecnologia a vapor pudesse oferecer, eu só esperava um pouco mais do final.

O Dobrão de Prata, de Cláudio Villa – Conto com leves pitadas de suspense/terror. Apesar de eu não ter lido Lovecraft (ainda!), dá para perceber sua influência na trama. Tudo isso em um ambiente steampunk, claro, onde o personagem conta com o auxílio da tecnologia de exploração do mar, já um pouco mais avançada graças ao vapor.

Uma Vida Possível Atrás das Barricadas, de Jacques Barcia – Não sei porque, mas quando li esse conto, me lembrei de Perdido Street Station. Apesar de ter me estranhado bem no começo, a coisa melhorou no decorrer da leitura, com personagens máquinas-quase-humanas e seres esquisitos metidos em uma revolução. Só achei alguns pontos do conto meio obscuros e podiam ser melhor desenvolvidos e descritos. Mas o final compensa, meio que leva a um clímax.

Cidade Phantástica, de Romeu Martins – Conto ambientado na época de D. Pedro II (bem mais liberal) e onde não houve a Guerra do Paraguai. É um faroeste brazuca pulp permeado de referências a vários personagens ficcionais e reais, mas sem descambar em clichês típicos. O autor reinventou várias ideias e personagens.

Por um Fio, de Flávio Medeiros – História de dois grandes homens em tempos de guerra e em lados opostos, na era vitoriana e onde é comum o uso de balões e de submergíveis. A trama é muito bem contada e o autor ainda soube manter um certo suspense no calor da batalha.

Gostei de praticamente todos os contos, apesar dos percalços de alguns. A ilustração da capa ficou ótima e reflete bem o espírito vaporoso. Eu só acho que a revisão de alguns contos meio que deixou a desejar… mas acontece.

Recomendável sua leitura! =D Pode ser adquirida aqui no site da Tarja.

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