Treze perguntas para José Mojica Marins, ou só Zé do Caixão
"Quando novo, sempre procurei mulheres bonita que eu pudesse namorar e transformar em estrelas de meus filmes. Os irmãos delas trabalhavam como equipe técnica". Aprendendo na prática, e passando a lábia em jovenzinhas, Mojica Marins iniciou sua carreira cinematográfica como diretor e como o personagem Zé do Caixão, que com seu jeito peculiar de falar (o qual transcrevemos ipsis literis na entrevista, para não perder o "charme" do original), trajes funestos (incluindo uma cartola) e pragas mortais, conquistou uma leva de fãs e seguidores. No Brasil, seus filmes não foram muito apreciados, caindo na categoria dos trash movies (quem não lembra do Cine Trash, nas tardes da Band?), mas no exterior o Coffin Joe (tradução literal para o inglês do nome do personagem) faz o maior sucesso. É arte apreciada por fãs que nem um pacto com o pé-preto conseguiriam conquistar. Até a filha de Boris Karloff (o mais famoso Frankenstein dos filmes) se sentiu no dever de presentear o artista com um anel (caixãozinho) para homenageá-lo.
Tudo que foi conquistado pelo herói nacional das trevas se deve a paixão que ele mesmo afirma ter pelo cinema. Em certa filmagem precisava ter a cena de uma mulher sofrida parindo. "Não sei como é isso, nunca tive filho", afirmou a atriz. Procurando dar um jeito na situação, Zé perguntou-lhe se podia causar-lhe dor, e depois de um sim mandou iniciar a filmagem. Torceu-lhe o dedo do pé até ela berrar feito uma porca indo pro sacrifício. "Eis a dor do parto", exclamou Zé do Caixão. Todas essas informações foram dadas pelo próprio, numa palestra do Festival Multimeios, organizado pelos alunos dos cursos de Comunicação da Unisul, de Palhoça (SC), da qual a equipe d'O Malaco fez questão de participar e, aproveitando a oportunidade, de descolar uma exclusiva que você pode ler agora. É só seguir o caminho do inferno... Descer.
1-Não sei se o senhor conhece a geografia catarinense, mas aqui no sul do estado existem três cidades próximas uma da outra chamadas Turvo, Ermo e Sombrio. Contar a história deste triângulo maldito não daria um filme do Zé do Caixão?
Zé do Caixão - Realmente não tava sabendo disso. Isto me interessava, se tu tiver algo sobre isso eu mesmo bolaria algo pra fazer. Eu já fiz algo em torno de Santa Catarina, mas não foi, realmente, uma fita que eu gostava. Fizemos aqui uma espécie de bangue-bangue... Era o nome de um político, aí, o João Amorim [n.e.: um lageano que se intitula artista do rádio, da cinema, do disco e da TV, cujo filme mais conhecido é Calibre 12]. Era A Volta de João Amorim. Participei de ator e tal mas é, realmente, uma porcaria.
2 - É como o senhor sempre reclama: ele é uma pessoa que faz covers de filmes de fora. Mas o senhor conhece a produção de outros cineastas locais, como o Peter Baierstorf, diretor de O Monstro Legume do Espaço?
ZC - Ah, esse daí eu conheço. Acho que eles são batalhadores, estão no caminho certo. O pobrema de você hoje é fazer, não importa o quê, mas você tem que fazer. Se você continua fazendo, você vai aprendendo e chegando cada vez mais perto da forma ideal do que você quer fazer.
3 - Tem o Boni Coveiro, que tirou segundo lugar no concurso que o senhor promoveu para escolher um possível substituto, e que está produzindo filmes no oeste catarinense. O senhor ainda tem contato com ele?
ZC - Não tô tendo contato, porque minha vida tá muito corrida, não só pelo Brasil todo como também pelo exterior. Mas eu acredito que logo mais eu vou ficar mais pegado em São Paulo e o pessoal deverá entrar mais em contato comigo.
4 - O senhor recebe muitos filmes de produtores independentes?
ZC - Recebo, recebo, realmente. E naquilo que eu posso dou minha opinião e mando para a pessoa que me mandou a fita.
5 - E sobre essa busca incessante do Brasil atrás do Oscar, o senhor não acha que deveríamos procurar outros mercados? O Oscar é um espelho da produção mundial?
ZC - O Oscar é algo mais ou menos político e de repente, às vezes, não há interesse de dar a um país, e sim de dar para um outro. Existe uma política no meio. Então nós temos que tirar isso da cabeça, e acredito que o Brasil pode formar uma espécie de Oscar. Eu considero a Palma de Ouro muito mais valiosa do que, praticamente, o Oscar.
6 - Por falar nisso, sua videobiografia, feita pelo André Barcinski, foi premiada em Sundance...
ZC - Sundance eu considero o maior festival do cinema independente que se tem. E acho que a gente tem capacidade para se fazer um festival assim aqui. Nós temos aqui Gramado que faz um negócio doido. Poderíamos partir dai e fazer uma espécie de Oscar.
7 - E essa videobiografia e o livro, o que o senhor achou do resultado, ficou interessante?
ZC - O livro [Maldito] não. O livro, até os anos 70, ele [ Barcinski] foi fiel demais. Depois dos anos 70 ele foi levado por muitas entrevistas que fez e de repente tem muita coisa que não condiz com a realidade. Agora o filme não, o filme tá realmente enquadrado naquilo que eu fui, naquilo que eu faço.
8 - Quais os pontos do Maldito dos quais o senhor não concorda?
ZC - Depois dos anos 70 em diante. Daí eu acho que ele teve que correr demais e acabou pegando opiniões de muitos elementos, onde muitas vezes as pessoas que deram entrevistas pra ele eram vilão e, de repente, se tornam heróis. E aquele que era realmente herói se torna vilão. E foi invertida muita coisa dentro lá da biografia.
9 - E como está a questão da conservação da sua filmografia? Eu li que muitos originais estavam se deteriorando.
ZC - Nós estamos lutando pra recuperar, realmente, os filmes, e acredito que até o ano que vem a gente vai conseguir ajuda de fora. Eu tô com uma das maiores cinematecas do mundo, que é a cinemateca da França, que vai me homenagear no meio do ano que vem. E com certeza ela vai pegar as minhas fita pra tentar uma recuperação.
10 - Durante a palestra o senhor falou de uma parceria entre dois grupos, um do sul outro do norte, para financiar novos projetos seus. Poderia nos dar algum detalhe?
ZC - Um deles, do sul, é o Denílson [n.e.: esse a gente não conhece], que fez o Noturno, e ganhou vários prêmios lá fora, no exterior, ganhou prêmios aqui. Ganhou agora prêmio em dinheiro pra fazer um outro curta. Ele é um dos elementos que se associou com outros elementos, realmente, do norte e ele tá agora em São Paulo juntando um grupo e tá correndo com o roteiro que tão entrando no tal do áudio-visual. Ai eles vão, realmente, levantar essa verba e vai ter novidade, com certeza, no ano que vem.
11 - Sua obra só começou a ser reconhecida no Brasil depois de ter sido aclamada no exterior. Como o senhor vê essa posição da crítica brasileira? Coffin Joe é mais reconhecido que Zé do Caixão?
ZC - Hoje, lá fora, até os europeus estão tentando falar "Zé do Caixao", como eles não tem acento. Então eu tenho ido por muitos lugares e eles têm dito "Zé do Caixao". Claro que Coffin Joe é mais fácil pra eles, mas eles querem, como homenagem chegar assim perto de mim e falar [emposta a voz] Zé do Caixãoooo... Eu acho muito bacana. Agora, eu acho, realmente, que estamos no quarto mundo, entende? Então esse pobrema de ter reconhecimento lá e ter reconhecimento agora aqui, acho essa coisa lógica pra quem tá abaixo do primeiro mundo.
12 - E o senhor tem contato com esses grupos do primeiro mundo que o admiram tanto, como o White Zombie, os remanescentes dos Ramones...
ZC - Tenho, tenho, com todos eles, o Pantera, com todos eles eu tenho contato. Eu devo fazer agora um negócio de rock, aí e vai ter várias bandas que vão mandar as músicas para... é, realmente, um CD que eu vou publicar.
13 - Ou seja, se tem alguém que pode fazer um filme com a melhor trilha sonora do mundo é o senhor?
ZC - Eu acho que sim. Eu vou ter aí todos os caras do mundo me ajudando, então eu acho que vai sair uma trilha da pesada.
Entrevista: Flávia Melissa/Frederico Carvalho
Gabriel Rocha/Romeu Martins
Foto: Frederico Carvalho
Entrevista originalmente publicada na edição nº 6 do e-zine O Malaco