8.4.09

A vinda dele

De expectativas e antecipações.
Por Maria Helena Bandeira



O vento aumentou e as partículas de areia começaram a voar, desarrumando as dunas.
Ele olhou para o céu.
As estrelas brilhavam fortemente esta noite.
Seria Aquela?...
Ela não parecia perceber nada diferente. Estava deitada, as costas apoiadas na pedra - sua pedra - e resmungava baixo.
O zumbido do vento se acalmou e ele mudou de posição. Sentia os membros dormentes. Rolou um pouco de um lado para o outro, mexeu-se como numa dança ritual.
No exato momento em que se virou para Oeste, uma estrela riscou o céu e veio crescendo em direção aos dois.
Ela também percebeu e se levantou com um pulo.
Seu coração começou a bater forte, o sangue correndo nas veias, latejando, pulsando...
Será Ele?!...
A emoção percorrendo o corpo
Será esta noite?!...
Será agora?!...
Um estrondo cortou sua respiração.
“Foi em B12.”
Sussurrou
“Eu sei.”
Correram na direção do som.


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Chupou o último osso e jogou no fogo.
A fumaça se levantou, trazendo o cheiro adocicado de matéria biológica queimada. Não gostava da fumaça desses detritos. Preferia a dos resíduos da nave, o cheiro acre e forte, não este fedor enjoativa.
Lambeu os dedos e olhou para ela que também acabara de comer:
“Como soube que não era ele?”
“Usava macacão prateado” respondeu secamente.
“Seria razão suficiente?” pensou, sem coragem de responder. Ela era mais esperta. Saberia reconhecer os sinais quando Ele chegasse... começou a ficar sonolento... já esperava há tanto tempo que nem conseguia mais distinguir as épocas. Milhares de vezes a Grande Estrela cruzara o céu e se escondera no horizonte. O vento fizera e desfizera dunas... a erosão comera as rochas... sentiu as pálpebras pesadas... o ventre estava retesado como um tambor.
Há muito tempo não comia tanto.
Ia dormir umas duas luas pequenas. (Uma vez comera cinco não-Eles e dormira uma lua média).
Mas isso era raro.
Geralmente eram dois ou três, no máximo. Ele viria sozinho. Ou não?... E se Ele chegasse enquanto dormiam?...e se ela não pudesse reconhecer seus sinais?... não!... tinha tanta certeza... ela saberia.
Podia sentir seus pensamentos
“Idiota! Se não fosse por mim não teríamos alimento... sempre com medo de se enganar!... e nem seria possível saber com certeza quando Ele chegasse...”
“Se chegar...” pensou malignamente, mas afastou rapidamente essa idéia. Seria cruel demais...
Percebeu que ela se esgueirava furtivamente para a toca, os movimentos lentos, o ventre pesado se arrastando na areia.
Olhou a vastidão prateada iluminada pelos crescentes.
O vento pareceu mais frio e também rastejou para a toca.


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Muitos sóis já haviam percorrido o arco do céu desde que tiveram a última refeição.
Apesar de tudo, esperavam.
“Ele virá!... Eu sei. Eu sinto.” Os pensamentos dela eram como bolhas batendo nos seus sentidos entorpecidos.
“Ele virá.”
Repetia para si mesmo, mas estava difícil de acreditar.
Não sei de onde ela tira tanta convicção. Tem fé. Talvez eu tenha perdido a minha.
As estrelas parecem pálidas no espaço... o vento aumentou a intensidade. A barriga doía de fome e não conseguia dormir...
Ela permanecia sentada na sua pedra, as costas eretas. Vigilante...
Acordou com o silêncio.
O vento cessara. O ar parado pesava toneladas.
Tentou se levantar para respirar melhor. Sentia-se entorpecido, a boca amarga, a visão turva.
Percebeu que ela continuava na mesma posição.
Estaria dormindo? Ou morrera? Não tinha importância.
Deu dois passos para a frente e parou com todos os sentidos eriçados. Ela dera um grito feroz. Um som real, não o eco dos seus pensamentos, mas ondas sonoras que se quebraram no areal deserto com uma intensidade rascante.
Correu na sua direção:
“Chegou a hora! Ele está vindo para nós”
Chorava e ria como se estivesse possuída, apertando os olhos e sacudindo o corpo. Seus membros se agitavam em espasmos e ele mal conseguia contê-los dentro da carapaça para que pudesse abraçá-la. As unhas feriram seu rosto e sentiu o sangue escorrer pelas fendas da pele.
Pensou que enlouquecera por causa da fome, mas ela repetia “Eu sei... Ele está aqui!... Ele veio!... Ele chegou!... Finalmente!...”
Olhou para o alto.
O céu continuava límpido e o ar parado.
“Não há nenhum sinal... nenhuma luz... nenhum ruído... nada! Você está cansada... está delirando.”
“Não, Não!...”
Ela se debateu de encontro a ele, a rocha arrancou pequenas escamas de sua pele nas partes desprotegidas
“Eu sei! Seu idiota, seu grande imbecil!... Eu sei... ele está vindo para nós.”
Livrou-se dele e caiu de joelhos.
Nesse momento algo escureceu o céu.
Começou aos poucos, vindo do horizonte pelo areal prateado até onde eles estavam.
Como a sombra de um enorme pé.
O som de um atabaque ensurdecedor marcava o ritmo das passadas
TAM! TAM! TAM!
Sentiu o coração baquear e caiu, também, de joelhos.
“Ele veio, afinal!... Aleluia!...”
Sua alma cantava de alegria e alívio.
Ficaram ali, abraçados, enquanto o som se tornava cada vez mais forte até que a sombra, enfim, os atingiu em cheio.
Mal sentiram a mão que os tomou num golpe rápido e os dentes triturando seus cascos, separando o recheio com a ajuda da língua, engolindo os membros delicadamente. Ele ainda viu que ela agitava debilmente uma antena antes de desaparecer na goela rosada.
Foi a última coisa que viu com seus olhos.

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Sentou-se no areal deserto e finalmente acendeu o fogo para queimar o lixo da refeição.
Tivera sorte de arranjar o que comer.
Por um momento ficou na dúvida se um dos dois não seria Ele... mas percebeu que não pelas carapaças.
Havia sempre um sinal.
O vento recomeçara forte e estava difícil manter a fogueira acesa. Partículas de areia voavam em todas as direções junto com as cinzas. Espreguiçou as pernas e recostou-se para esperar. Sabia que Ele viria. Sentia isso mais do que qualquer coisa em sua vida.
Um dia. Ele ia chegar.
Talvez fosse uma longa espera.
Talvez não.

8 comentários:

Anônimo disse...

Maria Helena, que beleza! Adorei, está escrevendo cada vez melhor, e esse clima - essa expectativa - você é grande... Muito bom!

Romeu Martins disse...

Valeu pelo comentário, dbfrattini!

Udo Baingo disse...

Como sempre, Mhel matando a pau na FC de suspense.

Udo

Giseli Ramos disse...

Uau, conto instigante esse! Gostei! Se bem que admito que queria saber mais claramente quem eram esses seres, mas tudo bem...

Romeu Martins disse...

Um tanto de mistérios elípticos faz (muito) bem, Gi ;-)

Ludimila Hashi disse...

Viver esperando algo cair do céu é uma opção. Belíssimas imagens, diálogos e descrições radicalmente concisos, verbos inesperados, do jeito que eu gosto :)

Helena disse...

Obrigada, Frattini, Udo, Gi, Ludi. E Romeu pela força

beijão,

merrel

Romeu Martins disse...

Seja bem-vinda (ou benvinda?) novamente, merrel

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