22.9.09

Índice das conspirações

Com o conto "Furo de reportagem", de Rafael Monteiro, o universo dos personagens que dá título a este blog chega a marca de dez histórias, escritas por quatro colaboradores. Nada mal para o que começou como uma piada ano passado.

Para facilitar o acesso aos textos, estou publicando a lista de contos e de autores abaixo, neste post, e de forma permanente, na barra lateral na seção "Contos Terroristas".

A teoria na prática, por Romeu Martins

Apagão no tempo, por Romeu Martins

Mais um homem invisível, por Ludimila Hashimoto

O herói, por Rafael "Lupo" Monteiro

E atenção: notícia urgente, por Romeu Martins

Plano infalível, por Romeu Martins

O Santo da Maldade em prol do Dragão, por Alexandre "Lancaster" Soares

Vingança, por Romeu Martins

Espírito animal, por Romeu Martins

Furo de reportagem, por Rafael "Lupo" Monteiro

21.9.09

Furo de reportagem

Texto retirado de um obscuro site da Internet
Por Rafael Monteiro

Não é a TV que emburrece as pessoas. São as pessoas que assistem a TV para ficarem burras. Mas não é só a TV: cinema, livros, músicas, peças de teatro, videogames, praticamente toda a indústria de entretenimento é construída para suprir essa que talvez seja a grande necessidade humana: não saber nada, não aprender nada, apenas ficar burro por alguns momentos. Saber demais deixa qualquer um infeliz.

Posso falar com traquilidade disso. Sou jornalista, já trabalhei em grandes jornais e emissoras de TV. Se fosse contar o que já vi nos bastidores, ninguém mais acreditaria em nada do que lê ou vê. Mas vou me limitar a relatar apenas uma história, talvez a grande história que nunca poderá ser contada.

Era época de eleições. O veículo que me empregava apoiava um candidato, mas se declarava neutro. A montagem do jornal, os textos em si, eram todos realizados deliberadamente para causar boa impressão de alguns candidatos e má impressão de outros. Muitos conseguem perceber isso, e saem aos quatros ventos clamando por ter descoberto a pólvora. Tolos, se ao menos suspeitassem da verdade.

Muito bem, estava eu na redação quando o Editor-chefe me chama. Desculpe-me se não revelo nomes, mas é para a proteção dos envolvidos.

- Olá, Narrador!

- Tudo bom, Chefe? O que manda?

- Tá vendo essa matéria aqui? Gostaria que você a assinasse.

Dei uma lida rápida, e percebi que era algo que poderia influenciar na eleição. Ela afirmava que um candidato que começava a subir nas pesquisas havia utilizado, quando deputado federal, verba do gabinete para viajar ao exterior com a amante. O detalhe é que a esposa era uma atriz querida do público em geral. A polêmica gerada seria realmente grande. Notei que nos papéis utilizados havia uma marca d’água no cabeçalho com as letras TC.

- Isso é um furo de reportagem? Por que não quer assinar?

- Não fui eu quem escreveu isso. Só estou te repassando. Vai querer ou não?

- Me deixe ao menos checar algumas dessas informações. Não vou entrar no escuro nessa não.

E lá fui eu fazer o dever de casa. Comecei por determinar se houve mesmo viagem, em que data, etc. E assim passei a manhã inteira. Chegou a hora do almoço, desci do prédio e fui em direção ao restaurante em que usualmente comia. Foi quando dois homens vestidos de preto, usando óculos escuros, me abordaram na rua. Um era grande e forte, o outro mais baixo e careca.

- Senhor Narrador, por favor nos acompanhe. – Não me deram tempo de responder. Agarraram meu braço e me levaram para um outro restaurante, luxuoso, daqueles que só a bebida custa cinco vezes o que gasto numa refeição.

- Assine a matéria, Narrador. Não irá se arrepender – disse o Careca.

- Quem são vocês, afinal?

- Somos os autores do seu grande furo!

- Isso não me responde nada.

- É a resposta que terá!

- É melhor escutá-lo! –o grandão deu um sorriso para mim com cara de quem tava doido para que eu falasse algo de errado.

- Você ainda é novo, tem muito o que aprender- retomou o Careca – assine a matéria e coisas boas acontecerão.

Eles pagaram a conta e foram embora, me deixando sozinho. Quando voltei para a redação, voltei a conferir os dados. O impressionante é que realmente tudo batia. Acabei escrevendo eu mesmo a reportagem, e ficou muito melhor que o original.

O resultado foi o previsto: o candidato teve que se explicar, a esposa ficou com fama de chifruda, o que não agradou o povão. Eliminada as chances de segundo turno para ele.

Passada as eleições, fui contratado por uma emissora de TV, ganhando um salário muito maior. Os dois homens de preto passaram a ser minhas fontes, em toda crise política me passavam informações quentes.

Estourou então mais uma crise do Senado – o presidente estava sendo acusado de corrupção (como quase todos, por isso não vou dizer quem era – minha única dica é que o dessa vez usa bigode). Era um político velha guarda, raposa que tomava conta do galinheiro por anos e anos. A imprensa tentava de todas as formas encontrar algo para derrubá-lo, pseudocelebridades fizeram “campanha” contra ele visando a moralização da política. A baboseira se sempre. Foi quando os homens de preto me procuraram mais uma vez.

O grandão havia engordado bastante, e o Careca tava com uma cara já de bem acabado. Mas os anos pareciam ter sido generosos com eles, apesar de tudo.

- Narrador, neste dossiê temos provas inclusive que o Senador mandou matar adversários políticos e gente da imprensa. Dessa vez ele não escapa, e você é a pessoa ideal pra revelar isso ao mundo.

- Por que eu, afinal?

- Credibilidade. Você tem boa aparência, fala firme, mas cordata, e já deu vários furos que sempre se confirmaram.

- Ok, mas tem uma coisa que não entendo. Vocês já me cantaram várias bolas que beneficiaram este Senador e quem o apóia. Por que agora querem prejudicá-lo? Queima de arquivo?

Ambos gargalharam com gosto. O Careca então me explicou:

- Não somos bandidinhos ordinários, caro Narrador. Jura que nunca percebeu a nossa jogada?

- Que jogada?

- Tudo parece ter dois lados, certo? Esquerda e direita, certo e errado, éticos e corruptos, patriotas e traidores, brancos e negros, religiosos e ateus. Pois tudo isso não passa de besteira. Serve pra vender jornal, serve pras pessoas criarem identidades próprias e grupos. Serve para cada um se achar o dono absoluto da verdade, e com isso tenham orgulho de sua ignorância.

- Isso tudo me parece cínico demais.

- Mas não é cinismo. É apenas a realidade. E quer saber a verdade, a grande verdade? Tudo isso só existe para uma única coisa: para os meus chefes, que são os chefes dos seus chefes, continuarem sendo os chefes.

- Isso é uma palhaçada, me desculpe. Não passa de uma teoria da conspiração barata.

- Barata não, muito cara!

O diálogo terminou aqui. Fiz a tal matéria, o Senador foi finalmente derrubado. Em pouco tempo tudo voltou ao normal, novos escândalos surgiram e nada realmente mudou.

Publico como anônimo este texto na internet, na esperança de que alguém acredite no que contei. Talvez mais pessoas conheçam os homens de preto, ou tenham ouvido falar de algo ou alguém com as iniciais TC. Pode ser apenas uma pista furada, não sei. Talvez o Careca apenas quisesse me impressionar, mas as informações dele eram sempre confiáveis. Ou tudo pode não passar de mais uma armação, e publicar este texto só ajuda nos planos deles. Realmente não sei , que caiba a cada um ler e julgar por si mesmo.

18.9.09

Estávamos no Pólo Sul - Parte I

Uma História Alternativa nazipunk
Por Michel Argento



Da proa, ao lado do arpão, o capitão da Kriegsmarine observava o submarino Tipo VII, denominado U-765, emergir ao lado de sua fragata baleeira.

O capitão Grosskopff se encolheu mais dentro de seu pesado casaco de lã e couro quando uma súbita rajada de vento trouxe-lhe a lembrança de que estavam dentro do circulo polar antártico, a poucos quilômetros ao norte de um continente coberto de gelo praticamente o ano todo. Olhou em torno, entediado com a demora do u-boat em emergir.

Seu imediato vinha subindo os degraus metálicos que levavam a proa, e ao “ninho” do arpão, um apelido carinhoso dado pelos homens que utilizava com eficiência o equipamento durante as caçadas.

- Fumegante, e com um gole de conhaque – disse o jovem austríaco ao lhe entregar a caneca de metal.

Grosskopff aspirou o liquido por um instante. Era quente e forte, como ele gostava. Tomou um gole e sentiu-o descer queimando por sua garganta, espantando o frio.

- Esse café brasileiro é maravilhoso – falou depois do segundo gole.

- Sim, e como estamos na vizinhança da costa brasileira, creio que não vai faltar.

Tomou outro gole, e perguntou, apenas para se distrair:

- E como estamos nos relacionando com os brasileiros?

- Bem. Muito bem, embora muitos deles ainda estejam receosos, achando que queremos invadir e anexar seu país – falou o imediato, que viera transferido do Rio de Janeiro há três meses, onde faziam algum tipo de serviço burocrático que Grosskopf ignorava. Ignorava também o motivo da transferência, talvez por alguma cagada monumental, pois ser transferido do ensolarado Rio de Janeiro para um baleeiro no circulo polar antártico não derivava de um simples cochilo durante a vigia ou um uniforme amarrotado. Tinha que ser algo grande. Mas como o rapaz era bom, não cabia a ele perder tempo preocupando-se com isso.

- Se tivéssemos recursos para isso, com certeza faríamos. Economizaríamos muito – falou desanimado, olhando o u-boat emergindo.

- Talvez, senhor, mas temos muitos imigrantes nos três estados que formam a região sul do Brasil. Ali eles são cerca de 30% da população, entre alemães, austríacos, italianos e alguns milhares de japoneses – pigarreou. – Isso, sem contar os próprios brasileiros que nos apóiam, alguns por livre e espontânea vontade, outros por medo dos comunistas.

- Medo dos comunistas, aqui? – perguntou incrédulo.

- Sim. Eles tiveram um movimento razoavelmente bem organizado, que tentou assumir o poder em 1935, mas não teve êxito. Depois, com base nesse medo, o presidente deles deu uma espécie de golpe militar em seu próprio governo.

- Isso é o Brasil? – não conseguia levar a sério a idéia de um presidente dar um golpe em seu próprio governo. Era quase como ele conseguir chutar a própria bunda.

- Sim, isso é o Brasil.

Tomou mais um gole, e viu o u-boat manobrar para chegar mais perto do baleeiro.

- E aqueles vizinhos deles, os argentinos? – perguntou entre um gole e outro.

- Foi muito mais fácil. O presidente deles nos apoiou abertamente. Nesse momento uma grande base naval está sendo construída no Rio da Prata, sob as bênçãos argentinas.

- Hum... então, talvez a tão falada Alemanha Austral saia do papel – falou, sem nenhuma convicção.

- Com certeza senhor. Sairá sim – respondeu o imediato, com sua empolgação costumeira aos assuntos da expansão do reich.

O u-boat terminou as manobras e os marinheiros de ambas as embarcações procederam às amarras, depois uma escada de corda foi jogada da fragata.

O capitão do u-boat subiu a bordo, junto com dois outros oficiais. Grosskopf não conhecia nenhum deles, por isso não se apressou em descer ao seu encontro.

Os três olhavam com desdém para o chão coberto de sangue de baleia e vísceras, misturado com água salgada e gelo em alguns pontos. Realmente era algo desagradável de se ver, e ainda mais de cheirar, mas era o trabalho da tripulação de Grosskopf, e aqueles homens se orgulhavam do que fazia.

Por fim, terminou a caneca de café e desceu ao seu encontro.

- Capitão Grosskopf, eu presumo – falou o capitão do u-boat sem fazer qualquer tipo de saudação. Sua voz era fria e desdenhosa, quase inglesa.

- Sim, e o senhor seria... – perguntou, tentando imitar a voz fria e desdenhosa do outro.

- Capitão Otto Maul – disse e olhou para suas botas cujas solas estavam mergulhadas em alguns milímetros de sangue. – Muito me admira encontrar uma embarcação do Reich em semelhante condição – cuspiu as palavras com asco.

- Terminamos o processamento de uma baleia minke a pouco mais de trinta minutos. Ainda não tivemos tempo para o asseio do navio, mas lhe prometo que isso será feito assim que possível – falou forçando o tom de sarcasmo.

- Bom, muito bom – o outro respondeu, sem dar mostras de que notara o sarcasmo. – Como deve ter sido informado que um novo comandante foi designado para o Projeto Leviatã, e eu fui encarregado de escoltá-lo até as instalações no continente antártico.

Fez uma pausa e tornou a olhar para o chão avermelhado.

- Sim. Fiquei sabendo.

- Pois bem – continuou. – uma reunião esta marcada para as onze horas de amanhã com todos os oficiais baseados na Antártida. Tome nota.

Fez a saudação nazista, porem sem bater os calcanhares, talvez por medo de escorregar, e virou-se para retornar ao u-boat. Grosskopf retribuiu a saudação e ficou olhando enquanto o outro capitão descia e o u-boat submergia minutos depois.

- Sempre achei estranha a escolha desse nome: Projeto Leviatã – disse o imediato. – Não é apenas para recolher glicerina proveniente das baleias?

-- Karl, meu jovem, você é muito inteligente para algumas coisas, mas quase nada para outras – falou usando o primeiro nome do imediato. – O projeto não é apenas sobre isso, envolve um estudo mais aprofundado das baleias, para ser aplicado aos u-boats. Eu ouvi dizer que estão construindo um protótipo de u-boat em formato de baleia no hangar 3-C, e que isso vai deixá-lo mais rápido. Isso, sem contar nos projetos dos caças de baixa altitude resistentes ao frio.

- Aqueles que querem empregar em uma possível invasão da União Soviética?

- Sim, esses mesmo, mas não só isso. Existem outros planos para eles.

- Quais?

- Não sei ao certo, mas dizem que querem testá-los nesse frio para fazer um vôo até a lua.

- Lua?

- Sim, lua. Agora deixe de histórias e vamos trabalhar.

Ainda precisavam caçar uma baleia para atingir sua cota, mas como não queria se atrasar para a reunião com o novo comandante, deu ordens para que a fragata fosse levada de volta a base.

Esqueceu de dar ordens quanto à limpeza do convés, estava frio demais para ficar ali fora com baldes e esfregões.

16.9.09

Pequena Dama

Um encontro inevitável. Por Seph

Ele caminhava. Olhava baixo, estava sozinho. Mãos nos bolsos, pouco mais de quarenta anos. Com passos lentos e perdidos, parou em frente a um banco da praça. Sentado a ele estava uma garotinha.Usava um vestido preto; tinha pele branca como papel, cabelos negros como a noite, compridos e lisos. Parecia uma bonequinha. A garota ergueu seus olhos azuis para o estranho a sua frente. Sorriu nervosa.

- Posso sentar-me ai? - perguntou ele.

- Hunn...sim, claro.

O homem sentou-se ao lado dela, parecia cansado. A garota pousou as mãos sobre os joelhos inquieta. Parecia querer falar algo, mas manteve-se calada.

- Então...- começou ele, quebrando o silêncio – Você é o que eu acho que você é?

- Sim...- respondeu num tom triste. - Receio ser.


- Notei...Não é a primeira vez que te vejo por aqui.

- As pessoas não me notam, ou fingem. Muitas me vêem, mas não dão a mínima. Sou invisível, pois preferem não aceitar minha existência.

- Você não parece gostar do que faz.

- Gostar eu não gosto. - respondeu, mirando o rosto dele. - Mas eu faço porque preciso.

- Entendo.

Ele dá um suspiro, olha para a garotinha ao seu lado e recomeça:

- Então voce vai... digo, nós vamos...?

- Claro que sim, afinal, estou aqui pra isso.

- Aqui mesmo?

- Não é um bom lugar? - diz ela com um sorriso tímido. - É bonito...Eu gosto daqui. Você gosta?

- Na verdade, eu nunca tinha reparado em como aqui é bonito...só hoje, não é estranho?

- Não é não. Nunca é tarde.

Ele sorri para ela, mas não diz nada.

- Moço, podemos...?

- Sim, por favor.

- Eu prometo que vou te fazer sentir-se melhor.

A garota esboçou um lindo sorriso. Num pulo, levantou-se do banco, pondo-se de frente ao homem. Esticou a mão, tocando-lhe na testa gentilmente. Ele fechou os olhos e pensou em tudo que tivera feito na vida até então; amou muitos e odiou tantos, feriu os outros e feriu a sí mesmo. Isso é a vida? Pensa ele, tudo se resume a isso? Ele relaxa o corpo e deixa com que a garota termine o serviço, levando-o para um lugar onde o tempo não passa, a dor não existe e todos são iguais.

Sentir-se vivo não é ficar feliz por escapar da morte, mas sim, ficar feliz apenas por existir.

8.9.09

I'm Overdriven

Um cyberconto com direito a trilha sonora Por Lidia Zuin

You’re not the only one who’s suffering from the world outside. You’re not the only one who’s give in to fear...



Esmago os pedaços de vidro com a sola do meu coturno, fecho suas fivelas por passos mais certos, fumo um cigarro para aliviar a tensão na garganta. Pigarreio um resto de vida orgânica por entre meus ossos, cuspo fumaça azulada como uma SurGirl* a fumar seu narguilé digital.

Your face is always clear...


Murmuro um verso musical porque meus pulmões não me permitem mais o assovio. Entretanto, deram-me a oportunidade de chegar até aqui, aos pés de sua poltrona, sobre o tapete avermelhado por vestígios de gente que outrora foi mais viva que eu.
Meus olhos doem. Fagulhas da falta de sintonia entre o cérebro e a retina fazem-me ver o mundo ainda mais distorcido e escuro. Meus dispositivos falham e eu sei, pelo meu visor, que ainda vou dar tilt e cair numa esquina qualquer. Mas eu não vou morrer... estarei apenas temporariamente fora de área.

It’s your life... Right here, right not. It’s real time!


Ah, os binários. Passam por meus olhos, delineando corpúsculos de roedores pelos cantos das paredes. These darkest walls. Esvazio poças d’água pelo meu caminho antes que elas por demais cresçam e me afoguem no limbo da chuva amanhecida.
São seis horas da manhã e o frio me faz soprar fumaça mesmo após apagar o fumo. Damn, minhas pernas estão fraquejando.

This is not like TV only better.


God, it seems it’s neverending. Acho que faz umas três horas que caminho por esse lugar e não deixo de sair de um círculo de mesmos postes, mesmos latões, mesmos transeuntes, mesmas latinhas de Whatever-Cola jogadas no chão.
This is not fun. Você sabe que estou morrendo e que esses implantes estão enferrujando minhas têmporas, overdriving my brain.
Chega um momento em que é preciso botar para fora, deletar alguns arquivos, reiniciar o sistema. Foi por ralo abaixo o resto de yakisoba de ontem, meio copo de substituto de whisky, além de uma xícara de chá esquisito que eles dão em templos asiáticos. Respingou um pouco disso tudo pelas minhas pernas, mas minhas mãos fizeram o trabalho de afastar os vestígios que estavam pela minha boca. Sinto-me mais leve e limpa, porém fraca.

Failed to see the tragedy turning into magic.



PS: foram usados trechos de músicas do Flesh Field e Marilyn Manson. O título é o mesmo de uma música da banda Dope Stars Inc.

*Contração de surgery girl, meninas "plásticas", com muitas cirurgias plásticas.

7.9.09

Continuum

Amor em ritmo de looping temporal
Por Mariana Gouvin



Fogos de artifício estouram no céu e eu continuo a beijá-la. Nosso ritmo suado, nossos corpos doloridos, meus olhos embaçados, seus cabelos na minha boca, quem realmente importa?

_ Quanto tempo nós temos?_ você ofega nervosa.

Calo sua boca com um beijo. Mordo seu lábio inferior com força, meus dedos quadrados se arrastam pelas suas costas, você arqueia o corpo como quem cede e exige ao mesmo tempo.

Escorro minha boca pelo seu colo. Lá fora as luzes azuis se sobrepõem à escuridão. Você geme alto. Ninguém escuta. Mordisco seus seios, gravo mentalmente cada pedaço deles com a língua, descubro cada dobra, meço cada poro arrepiado de prazer, me perco milhares de vezes nos caminhos que eles me mostram.

Levanto depressa, pego o que nos resta da garrafa de vinho. Você me puxa com desespero.

_ Amo você.

Seguro seus quadris enquanto estrangulada você continua me dizendo declarações. Evito falar, não quero me lembrar do som da minha voz, quero só a sua, quero que você me preencha, que ocupe cada espaço da minha memória, cada fragmento de alma que possa existir em mim. Mordo seu queixo enquanto você crava suas unhas nas minhas nádegas. Gritos. Pneus cantando. Eles estão vindo.

_ Queria que tivéssemos tido filhos.

Seus olhos molhados. Nariz vermelho. Cara de choro. Te beijo com mais força, as lágrimas escorrendo pelo meu peito, suspiros entrecortados, movimentos fortes. Te levanto e te coloco contra o armário. Seguro suas coxas, aperto com força, marco a fogo meus dedos nela. Tento gravá-las em mim também. Cada pedaço, cada espaço. Quero viver eternamente aqui. Peço por um looping temporal.

Você agora chora abertamente, mas não me solta, pelo contrário, me aperta mais, me coloca colado ao seu corpo, como se quisesse que fôssemos um. As janelas quebram. Assobiando o vento frio que invade nosso quarto não refresca, oprime.

Ouço os vizinhos abaixo gritarem. Perto demais. Pouco tempo. Sinto você me apertando por todos os lados. Mãos, boca, coxa, tudo que é seu me aperta, me prende.

Vou mais rápido. Você chora, imersa na mistura louca de prazer e desespero, pede por mim, implora pela minha voz. Foco meus olhos nos seus e enquanto os passos soam no corredor ofego no seu ouvido:

_ Amo você… para sempre.

Eles arrombam a porta enquanto você puxa meus cabelos. Sinto que travam por um minuto, como se não esperassem ver o que viam como se necessitassem de pessoas desesperadas para continuar. Você me beijava, eu te segurava forte enquanto repetia:

_Amo você… amo você… amo você.

Não paramos nem quando caídos, nem quando molhados de um líquido que em nada se parecia com o suor. “Um looping temporal” era tudo que eu pedia e naquele momento aquilo me parecia tão pouco diante do que tínhamos sido. Pouco sim. Mas eu me contentava.

Fogos de artifícios estouram no céu e eu continuo a beijá-la.

Sobre sangue e vampirismo

No dia 10 de agosto fiz um post para comentar o lançamento de um livro de contos vampirescos. Por uma triste ironia, volto ao tema para lamentar que dois dos personagens citados naquela ocasião, Liz Vamp e, principalmente, Kizzy Ysatis, foram brutalmente agredidos no último final de semana em uma boate paulistana pelos seguranças da casa.

Nem entrarei nos detalhes do bizarro da situação, pois nada justificaria o grau de brutalidade daquele espancamento, deixo os leitores com o link para o blog do escritor, organizador da citada coletânea, Território V, no qual podem se informar sobre a situação e encontrar mais relatos sobre este crime absurdo. E com ambos os artistas agredidos, deixo minha solidariedade.

Ibope