Por Michel Argento
O capitão Grosskopff se encolheu mais dentro de seu pesado casaco de lã e couro quando uma súbita rajada de vento trouxe-lhe a lembrança de que estavam dentro do circulo polar antártico, a poucos quilômetros ao norte de um continente coberto de gelo praticamente o ano todo. Olhou em torno, entediado com a demora do u-boat em emergir.
Seu imediato vinha subindo os degraus metálicos que levavam a proa, e ao “ninho” do arpão, um apelido carinhoso dado pelos homens que utilizava com eficiência o equipamento durante as caçadas.
- Fumegante, e com um gole de conhaque – disse o jovem austríaco ao lhe entregar a caneca de metal.
Grosskopff aspirou o liquido por um instante. Era quente e forte, como ele gostava. Tomou um gole e sentiu-o descer queimando por sua garganta, espantando o frio.
- Esse café brasileiro é maravilhoso – falou depois do segundo gole.
- Sim, e como estamos na vizinhança da costa brasileira, creio que não vai faltar.
Tomou outro gole, e perguntou, apenas para se distrair:
- E como estamos nos relacionando com os brasileiros?
- Bem. Muito bem, embora muitos deles ainda estejam receosos, achando que queremos invadir e anexar seu país – falou o imediato, que viera transferido do Rio de Janeiro há três meses, onde faziam algum tipo de serviço burocrático que Grosskopf ignorava. Ignorava também o motivo da transferência, talvez por alguma cagada monumental, pois ser transferido do ensolarado Rio de Janeiro para um baleeiro no circulo polar antártico não derivava de um simples cochilo durante a vigia ou um uniforme amarrotado. Tinha que ser algo grande. Mas como o rapaz era bom, não cabia a ele perder tempo preocupando-se com isso.
- Se tivéssemos recursos para isso, com certeza faríamos. Economizaríamos muito – falou desanimado, olhando o u-boat emergindo.
- Talvez, senhor, mas temos muitos imigrantes nos três estados que formam a região sul do Brasil. Ali eles são cerca de 30% da população, entre alemães, austríacos, italianos e alguns milhares de japoneses – pigarreou. – Isso, sem contar os próprios brasileiros que nos apóiam, alguns por livre e espontânea vontade, outros por medo dos comunistas.
- Medo dos comunistas, aqui? – perguntou incrédulo.
- Sim. Eles tiveram um movimento razoavelmente bem organizado, que tentou assumir o poder em 1935, mas não teve êxito. Depois, com base nesse medo, o presidente deles deu uma espécie de golpe militar em seu próprio governo.
- Isso é o Brasil? – não conseguia levar a sério a idéia de um presidente dar um golpe em seu próprio governo. Era quase como ele conseguir chutar a própria bunda.
- Sim, isso é o Brasil.
Tomou mais um gole, e viu o u-boat manobrar para chegar mais perto do baleeiro.
- E aqueles vizinhos deles, os argentinos? – perguntou entre um gole e outro.
- Foi muito mais fácil. O presidente deles nos apoiou abertamente. Nesse momento uma grande base naval está sendo construída no Rio da Prata, sob as bênçãos argentinas.
- Hum... então, talvez a tão falada Alemanha Austral saia do papel – falou, sem nenhuma convicção.
- Com certeza senhor. Sairá sim – respondeu o imediato, com sua empolgação costumeira aos assuntos da expansão do reich.
O u-boat terminou as manobras e os marinheiros de ambas as embarcações procederam às amarras, depois uma escada de corda foi jogada da fragata.
O capitão do u-boat subiu a bordo, junto com dois outros oficiais. Grosskopf não conhecia nenhum deles, por isso não se apressou em descer ao seu encontro.
Os três olhavam com desdém para o chão coberto de sangue de baleia e vísceras, misturado com água salgada e gelo em alguns pontos. Realmente era algo desagradável de se ver, e ainda mais de cheirar, mas era o trabalho da tripulação de Grosskopf, e aqueles homens se orgulhavam do que fazia.
Por fim, terminou a caneca de café e desceu ao seu encontro.
- Capitão Grosskopf, eu presumo – falou o capitão do u-boat sem fazer qualquer tipo de saudação. Sua voz era fria e desdenhosa, quase inglesa.
- Sim, e o senhor seria... – perguntou, tentando imitar a voz fria e desdenhosa do outro.
- Capitão Otto Maul – disse e olhou para suas botas cujas solas estavam mergulhadas em alguns milímetros de sangue. – Muito me admira encontrar uma embarcação do Reich em semelhante condição – cuspiu as palavras com asco.
- Terminamos o processamento de uma baleia minke a pouco mais de trinta minutos. Ainda não tivemos tempo para o asseio do navio, mas lhe prometo que isso será feito assim que possível – falou forçando o tom de sarcasmo.
- Bom, muito bom – o outro respondeu, sem dar mostras de que notara o sarcasmo. – Como deve ter sido informado que um novo comandante foi designado para o Projeto Leviatã, e eu fui encarregado de escoltá-lo até as instalações no continente antártico.
Fez uma pausa e tornou a olhar para o chão avermelhado.
- Sim. Fiquei sabendo.
- Pois bem – continuou. – uma reunião esta marcada para as onze horas de amanhã com todos os oficiais baseados na Antártida. Tome nota.
Fez a saudação nazista, porem sem bater os calcanhares, talvez por medo de escorregar, e virou-se para retornar ao u-boat. Grosskopf retribuiu a saudação e ficou olhando enquanto o outro capitão descia e o u-boat submergia minutos depois.
- Sempre achei estranha a escolha desse nome: Projeto Leviatã – disse o imediato. – Não é apenas para recolher glicerina proveniente das baleias?
-- Karl, meu jovem, você é muito inteligente para algumas coisas, mas quase nada para outras – falou usando o primeiro nome do imediato. – O projeto não é apenas sobre isso, envolve um estudo mais aprofundado das baleias, para ser aplicado aos u-boats. Eu ouvi dizer que estão construindo um protótipo de u-boat em formato de baleia no hangar 3-C, e que isso vai deixá-lo mais rápido. Isso, sem contar nos projetos dos caças de baixa altitude resistentes ao frio.
- Aqueles que querem empregar em uma possível invasão da União Soviética?
- Sim, esses mesmo, mas não só isso. Existem outros planos para eles.
- Quais?
- Não sei ao certo, mas dizem que querem testá-los nesse frio para fazer um vôo até a lua.
- Lua?
- Sim, lua. Agora deixe de histórias e vamos trabalhar.
Ainda precisavam caçar uma baleia para atingir sua cota, mas como não queria se atrasar para a reunião com o novo comandante, deu ordens para que a fragata fosse levada de volta a base.
Esqueceu de dar ordens quanto à limpeza do convés, estava frio demais para ficar ali fora com baldes e esfregões.
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