A Teoria na Prática, de Romeu Martins, atualiza as tramas conspiratórias de forma bem explícita e divertida, e pode ser o conto mais próximo de nossa realidade de todos. Um dos melhores do livro.
30.10.09
Paradigmas 1 no Aumanack
Acaba de sair uma nova resenha da edição de estreia da coleção Paradigmas. O responsável pela avaliação do livro, desta vez, foi outro escritor, Renato Azevedo, autor de outra obra publicada pela editora Tarja: De Roswell à Varginha. Como de hábito, vou deixá-los abaixo com o trecho que analisa meu conto e linkar a íntegra do artigo aqui:
28.10.09
Mais HQ de FC no Overmundo
Acabo de publicar uma resenha da minissérie em quadrinhos Eterno Retorno no Overmundo. Vou postar o início do texto abaixo e deixar o link para a versão integral onde a contribuição pode receber os votos de quem gostou do artigo.
Durante 170 anos Gao Jung esteve morto. Para desespero dele, tal período de hibernação involuntária, entre 2070 e 2240, deve ser sua experiência mais próxima daquilo que hoje em dia ainda chamamos de descanso eterno, pois, na nova realidade em que passou a viver, o rapaz está condenado a ser imortal. No máximo, ao ser abatido, Jung vai conseguir breves pausas nas missões que seus novos patrões lhe impuserem para, logo em seguida, ser despertado mais uma vez, com as memórias reimplantadas em um novo corpo, clonado e adaptado para melhor servir a interesses que não são os dele. “Se a morte é temporária, qual é o sentido da vida?” A pergunta é o mote por trás da minissérie Eterno Retorno, a primeira inclusão do universo ficcional do videogame on line Taikodom na área dos quadrinhos. História dividida em cinco capítulos e em dois volumes – o primeiro, lançado este mês nas livrarias, reúne os dois episódios iniciais; para novembro está programado o lançamento dos outros três no segundo e último álbum da série – a aventura assinada pelo roteirista Roctavio de Castro e pelo desenhista Eduardo Ferrara marca o primeiro aniversário da abertura do jogo ao público, fato que se deu no dia 27 de outubro de 2008. Além disso, é mais uma fronteira desbravada pelo projeto que conta com dois livros lançados, um romance e uma coletânea de contos, o primeiro deles já resenhado aqui no Overmundo. Continua
26.10.09
Mais lançamentos
Novas editoras, novos livros, mais opções para os leitores de literatura fantástica nacional. Neste final de semana, fiquei sabendo de duas novidades que logo estarão disponíveis no mercado.
Pela Tarja Editorial, Os dias da peste, de Fábio Fernandes, que já se encontra em pré-venda com 20% de desconto no site da editora.
E pela editora Draco, Xochiquetzal - Uma princesa asteca entre os incas, de outro escritor veterano da FCB, Gerson Lodi-Ribeiro, também com mais detalhes no endereço da editora.
Pela Tarja Editorial, Os dias da peste, de Fábio Fernandes, que já se encontra em pré-venda com 20% de desconto no site da editora.
E pela editora Draco, Xochiquetzal - Uma princesa asteca entre os incas, de outro escritor veterano da FCB, Gerson Lodi-Ribeiro, também com mais detalhes no endereço da editora.
23.10.09
Além da aldeia gaulesa
Um texto antigo sobre HQs francesas
para festejar meio século de Asterix
Por Romeu Martins
Este ano, Asterix, o mais tradicional e famoso personagem das histórias em quadrinhos da França, comemora o quadragésimo aniversário de lançamento do primeiro álbum [N.E.: Matéria redigida em 2000]. Fato que merece toda a atenção, pois o personagem, misto de peça de resistência e de obra-prima do argumentista René Goscinny (1926-77) e do ilustrador Albert Uderzo, é um marco histórico das HQs de todo o mundo, além de poder ser considerado um verdadeiro clássico, graças aos vários níveis de leitura que cada álbum permite. Mas restringir a um único personagem, por melhor que seja, a mais que centenária história da Bande Dessinée (como são chamadas as HQs francesas) significa deixar de lado várias dezenas de artistas cujas obras têm o mesmo gabarito daquela dos criadores do "irredutível gaulês".
Uma exposição que está cruzando todo o país é uma chance de manter a lição de casa em dia. Une Histoire de la Bande Dessinée en France, elaborada pelo Centre National de la Bande Dessinée, vale a pena ser vista pelo seu caráter didático e pela retrospectiva cronológica de seus painéis que reúnem ilustrações e textos sobre as BDs. A mostra recebeu uma oportuna tradução para o português, feita pela equipe da Aliança Francesa, uma associação sem fins lucrativos criada em 1883, que conta com 1080 sedes no mundo, 65 delas no Brasil. Muito útil pra quem não passa do "bõ-ju" e do "sivuplê". Em Florianópolis, que é de onde está sendo escrito este texto, a exposição ficou em cartaz por 15 dias, infelizmente sendo atrapalhada pelo feriadão do Carnaval, como lembra a professora Sylvie Colin. Da capital catarinense, o material segue para a Universidade São Carlos, em São Paulo, e de lá para a Aliança Francesa de Curitiba.
Antes de começar a falar sobre a retrospectiva feita pela mostra, vale registrar uma crítica. Une Histoire... se pretende uma exposição sobre HQs francófonas, e não apenas francesas. O que só se justifica pela presença de alguns artistas vindos de países como Bélgica e Suíça. Infelizmente, o organizador, Thierry Groensteen, deixou de lado os "faladores de francês" de fora do continente europeu. Perdeu-se com isso uma oportunidade única para se conhecer o trabalho de quadrinistas das ex-colônias africanas, por exemplo. Ou ainda da porção francesa de nosso inimigo comercial número 1, o Canadá, país do qual o único artista conhecido no Brasil vem exatamente do lado anglófono - John Byrne, que fez inúmeros trabalhos para editoras americanas como DC e Marvel. Registrada a crítica, vamos a tour pelo mundo das BDs.
Os pioneiros - Não tem jeito. Em todo lugar do mundo sempre existe uma artista que fazia HQs antes daquele que é considerado o marco mundial do gênero - Yellow Kid, do americano Richard Outcault. Se até por aqui existiu o ítalo-brasileiro Angelo Agostini, os francófonos não poderiam deixar por menos. Para eles, quem inventou os quadrinhos foi o suíço Rodolphee Töpffer (1799-1846), que batizou sua criação de Littérature en estampes. Seus personagens eram todos anti-heróis, como Monsieur Crepi, pai de 11 crianças, ou o erudito Doctor Festus. O primeiro álbum de Töpffe data de 1833, nada menos que 63 anos antes da estréia de Yellow Kid nos EUA. O artista inspirou artistas como Cham (responsável por mais de dez álbuns), Richard de Querelles, Edmond Forest e, aquele que é considerado o mais fiel a seu estilo, Léonce Petit (1839-84).
Na área dos quadrinhos para crianças, o precursor foi Cristophe, nome artístico de Georges Colomb (1856-1945). Seu trabalho mais célebre, Família Fenouillard, foi lançado junto com as comemorações da Exposição Internacional sediada em Paris (que foi marcada pela inauguração da Torre Eiffel), em 1889. Virando o século, no período entre-guerras, surgiu outro nome importante da BD: Alain Saint-Ogan (1895-1974), criador de Zig et Puce. Com um traço mais limpo e estilizado que o de seus predecessores, o artista foi responsável pela introdução na França de um dos elementos mais associados com as HQs no mundo: o balão para fala e pensamento dos personagens. Os puristas consideram este como sendo o verdadeiro marco inicial das BDs. Até então, as obras em quadrinhos naquele país eram feitas com as ilustrações e os textos separados, sem interação entre as duas partes, como se fossem livros ilustrados.
Artistas estrangeiros - A década de 30 foi marcada pela forte presença de artistas estrangeiros lançando seus trabalhos em solo francês. Como não podia deixar de ser, o nascente império Disney foi o primeiro a aproveitar a brecha e introduzir seu material pasteurizado na aldeia dos gauleses. Para tanto, Walt Disney contou com a colaboração de Paul Winkler, que no dia 21 de outubro de 1934 lança o Journal du Mickey e consegue uma impressionante tiragem de 300 mil exemplares. O sucesso inspira o lançamento de outros clássicos ianques, como Popeye, Flash Gordon, Mandrake, Tarzan, entre outros.
Influência mais enriquecedora que o rato americano foi o trabalho do belga Georges Remi (1907-83), mais conhecido no mundo inteiro pelo som de suas iniciais invertidas Hergê (ou seja, RG). Ele criou um dos poucos personagens francófonos que pode rivalizar em matéria de fama com Asterix. Tintin, um jornalista que vive aventuras por todos os países do mundo (e, na verdade, até na Lua), foi criado em 1929 no suplemento Petit Vingtième. Uma frase do artista foi destacada na mostra: "A grande dificuldade em fazer BDs é mostrar exatamente o que é necessário para a compreensão da narrativa - nem mais, nem menos". Hergê criou um estilo que para muito virou sinônimo de quadrinhos franceses: a chamada Linha Clara, que traz personagens extremamente estilizados e cenários feitos com muito realismo. Infelizmente a mostra não chama atenção para o fato.
A presença de estrangeiros em território francês não poderia passar em branco. Houve uma violenta reação, nos anos 30, dos comunistas e dos católicos contrários ao que consideravam um meio para "esterilizar a inteligência francesa" e de "preparar um povo de escravos". A crítica moralista batia principalmente na violência e na sensualidade de algumas histórias (de um modo bem parecido com o que iria acontecer na América, 20 anos mais tarde, quando foi lançado o livro A Sedução dos Inocentes com pesadas críticas às HQs). Ao mesmo tempo, artistas franceses resolveram se unir para tentar banir material estrangeiro dos jornais locais. Eles queriam 100% de mercado garantido para a produção nacional. Não chegaram a tanto, mas a pressão fez surgir uma Comissão de Fiscalização, que entrou em vigor no dia 16 de julho de 1949, com influências tanto moralistas quanto protecionistas. Seria preciso muito esforço para vencer um certo clima de censura no ar.
Publicações revolucionárias - Nos anos seguintes, surgiram publicações que fariam história. Nos anos 50 e 60, as principais revistas eram os semanários Tintin e Spirou. A primeira, comandada, é claro, por Hergê, publicava HQs mais sérias, com alguma pesquisa e documentação. Na segunda, o que valia era a fantasia e a sátira de costumes. O principal artista de Spirou era Jijé (Joseph Gillain, 1914-80), criador de Fantasio. A exemplo de Hergê, ele também definiu um estilo, conhecido por Escola de Marcinelle. A influência é sentida em vários artistas, entre eles Morris, o desenhista do cowboy Lucky Luke, criado em 1946. Aliás, uma preciosidade da exposição é justamente uma página de roteiro escrito por Goscinny e a respectiva página ilustrada por Morris.
Outra revista definitiva foi a Pilote, criada em 1959, cujo número inicial trouxe a estréia de Asterix - o personagem ganharia o primeiro álbum, com história completa, em 1961. "Pela minha ação como diretor de Pilote, quebrei os grilhões que aprisionavam as BDs". A frase de Goscinny pode parecer pretensiosa, mas é justa. Foi com os trabalhos apresentados naquela revista que o tal ar de censura dos anos anteriores começou a ser diluído pouco a pouco. Com a influência da Pilote e da convulsão social pós-68, começou a surgir material mais underground, como a revista Hara-kiri, unindo o melhor do que era feito na mundo (Buzzelli, Crepax, Muñoz, Schulz) e apresenteando uma nova geração de franceses, estreando uma nova forma de humor, o "Bête et Méchant", algo como "Burro e Mau". Um dos novatos da época, Wolinsky, é influência assumida do brasileiro Angeli e a Hara-kiri, por sua vez, inspirou a melhor revista brasileira de todos os tempos, a Chiclete com Banana.
Como as pedras estavam rolando e o limo sendo retirado, as BDs estavam prontas para sua maior revolução estilística e narrativa. A craição da revista mensal Metal Hurlant colocou definitivamente a produção francesa na vanguarda mundial, graças à modernidade gráfica e à qualidade editorial da nova publicação. Foi nela que Moebius (Jean Giraud) apresentou suas maiores obras-primas, voltadas especialmente para a fantasia e a ficção científica. A revista ganhou uma versão mais célebre, não necessariamente melhor, nos EUA, a Heavy Metal, que muitos citam sem mencionar a original gaulesa. É de material dessa qualidade, e de muitos outros artistas dos quais nem chegamos a falar (como o ótimo Jano que vai lançar em breve uma obra sobre o Brasil), de que é feita a Bande Dessinée. Sem dúvida uma das maiores contribuições da França e de seus países irmãos tanto para o universo pop, quanto para o underground - no mínimo tão importante quanto o cinema local e sem dúvida melhor que a música contemporânea deles, por exemplo.
Matéria originalmente escrita para o e-zine O Malaco e republicada no Marca Diabo
para festejar meio século de Asterix
Por Romeu Martins
Este ano, Asterix, o mais tradicional e famoso personagem das histórias em quadrinhos da França, comemora o quadragésimo aniversário de lançamento do primeiro álbum [N.E.: Matéria redigida em 2000]. Fato que merece toda a atenção, pois o personagem, misto de peça de resistência e de obra-prima do argumentista René Goscinny (1926-77) e do ilustrador Albert Uderzo, é um marco histórico das HQs de todo o mundo, além de poder ser considerado um verdadeiro clássico, graças aos vários níveis de leitura que cada álbum permite. Mas restringir a um único personagem, por melhor que seja, a mais que centenária história da Bande Dessinée (como são chamadas as HQs francesas) significa deixar de lado várias dezenas de artistas cujas obras têm o mesmo gabarito daquela dos criadores do "irredutível gaulês".
Uma exposição que está cruzando todo o país é uma chance de manter a lição de casa em dia. Une Histoire de la Bande Dessinée en France, elaborada pelo Centre National de la Bande Dessinée, vale a pena ser vista pelo seu caráter didático e pela retrospectiva cronológica de seus painéis que reúnem ilustrações e textos sobre as BDs. A mostra recebeu uma oportuna tradução para o português, feita pela equipe da Aliança Francesa, uma associação sem fins lucrativos criada em 1883, que conta com 1080 sedes no mundo, 65 delas no Brasil. Muito útil pra quem não passa do "bõ-ju" e do "sivuplê". Em Florianópolis, que é de onde está sendo escrito este texto, a exposição ficou em cartaz por 15 dias, infelizmente sendo atrapalhada pelo feriadão do Carnaval, como lembra a professora Sylvie Colin. Da capital catarinense, o material segue para a Universidade São Carlos, em São Paulo, e de lá para a Aliança Francesa de Curitiba.
Antes de começar a falar sobre a retrospectiva feita pela mostra, vale registrar uma crítica. Une Histoire... se pretende uma exposição sobre HQs francófonas, e não apenas francesas. O que só se justifica pela presença de alguns artistas vindos de países como Bélgica e Suíça. Infelizmente, o organizador, Thierry Groensteen, deixou de lado os "faladores de francês" de fora do continente europeu. Perdeu-se com isso uma oportunidade única para se conhecer o trabalho de quadrinistas das ex-colônias africanas, por exemplo. Ou ainda da porção francesa de nosso inimigo comercial número 1, o Canadá, país do qual o único artista conhecido no Brasil vem exatamente do lado anglófono - John Byrne, que fez inúmeros trabalhos para editoras americanas como DC e Marvel. Registrada a crítica, vamos a tour pelo mundo das BDs.
Os pioneiros - Não tem jeito. Em todo lugar do mundo sempre existe uma artista que fazia HQs antes daquele que é considerado o marco mundial do gênero - Yellow Kid, do americano Richard Outcault. Se até por aqui existiu o ítalo-brasileiro Angelo Agostini, os francófonos não poderiam deixar por menos. Para eles, quem inventou os quadrinhos foi o suíço Rodolphee Töpffer (1799-1846), que batizou sua criação de Littérature en estampes. Seus personagens eram todos anti-heróis, como Monsieur Crepi, pai de 11 crianças, ou o erudito Doctor Festus. O primeiro álbum de Töpffe data de 1833, nada menos que 63 anos antes da estréia de Yellow Kid nos EUA. O artista inspirou artistas como Cham (responsável por mais de dez álbuns), Richard de Querelles, Edmond Forest e, aquele que é considerado o mais fiel a seu estilo, Léonce Petit (1839-84).
Na área dos quadrinhos para crianças, o precursor foi Cristophe, nome artístico de Georges Colomb (1856-1945). Seu trabalho mais célebre, Família Fenouillard, foi lançado junto com as comemorações da Exposição Internacional sediada em Paris (que foi marcada pela inauguração da Torre Eiffel), em 1889. Virando o século, no período entre-guerras, surgiu outro nome importante da BD: Alain Saint-Ogan (1895-1974), criador de Zig et Puce. Com um traço mais limpo e estilizado que o de seus predecessores, o artista foi responsável pela introdução na França de um dos elementos mais associados com as HQs no mundo: o balão para fala e pensamento dos personagens. Os puristas consideram este como sendo o verdadeiro marco inicial das BDs. Até então, as obras em quadrinhos naquele país eram feitas com as ilustrações e os textos separados, sem interação entre as duas partes, como se fossem livros ilustrados.
Artistas estrangeiros - A década de 30 foi marcada pela forte presença de artistas estrangeiros lançando seus trabalhos em solo francês. Como não podia deixar de ser, o nascente império Disney foi o primeiro a aproveitar a brecha e introduzir seu material pasteurizado na aldeia dos gauleses. Para tanto, Walt Disney contou com a colaboração de Paul Winkler, que no dia 21 de outubro de 1934 lança o Journal du Mickey e consegue uma impressionante tiragem de 300 mil exemplares. O sucesso inspira o lançamento de outros clássicos ianques, como Popeye, Flash Gordon, Mandrake, Tarzan, entre outros.
Influência mais enriquecedora que o rato americano foi o trabalho do belga Georges Remi (1907-83), mais conhecido no mundo inteiro pelo som de suas iniciais invertidas Hergê (ou seja, RG). Ele criou um dos poucos personagens francófonos que pode rivalizar em matéria de fama com Asterix. Tintin, um jornalista que vive aventuras por todos os países do mundo (e, na verdade, até na Lua), foi criado em 1929 no suplemento Petit Vingtième. Uma frase do artista foi destacada na mostra: "A grande dificuldade em fazer BDs é mostrar exatamente o que é necessário para a compreensão da narrativa - nem mais, nem menos". Hergê criou um estilo que para muito virou sinônimo de quadrinhos franceses: a chamada Linha Clara, que traz personagens extremamente estilizados e cenários feitos com muito realismo. Infelizmente a mostra não chama atenção para o fato.
A presença de estrangeiros em território francês não poderia passar em branco. Houve uma violenta reação, nos anos 30, dos comunistas e dos católicos contrários ao que consideravam um meio para "esterilizar a inteligência francesa" e de "preparar um povo de escravos". A crítica moralista batia principalmente na violência e na sensualidade de algumas histórias (de um modo bem parecido com o que iria acontecer na América, 20 anos mais tarde, quando foi lançado o livro A Sedução dos Inocentes com pesadas críticas às HQs). Ao mesmo tempo, artistas franceses resolveram se unir para tentar banir material estrangeiro dos jornais locais. Eles queriam 100% de mercado garantido para a produção nacional. Não chegaram a tanto, mas a pressão fez surgir uma Comissão de Fiscalização, que entrou em vigor no dia 16 de julho de 1949, com influências tanto moralistas quanto protecionistas. Seria preciso muito esforço para vencer um certo clima de censura no ar.
Publicações revolucionárias - Nos anos seguintes, surgiram publicações que fariam história. Nos anos 50 e 60, as principais revistas eram os semanários Tintin e Spirou. A primeira, comandada, é claro, por Hergê, publicava HQs mais sérias, com alguma pesquisa e documentação. Na segunda, o que valia era a fantasia e a sátira de costumes. O principal artista de Spirou era Jijé (Joseph Gillain, 1914-80), criador de Fantasio. A exemplo de Hergê, ele também definiu um estilo, conhecido por Escola de Marcinelle. A influência é sentida em vários artistas, entre eles Morris, o desenhista do cowboy Lucky Luke, criado em 1946. Aliás, uma preciosidade da exposição é justamente uma página de roteiro escrito por Goscinny e a respectiva página ilustrada por Morris.
Outra revista definitiva foi a Pilote, criada em 1959, cujo número inicial trouxe a estréia de Asterix - o personagem ganharia o primeiro álbum, com história completa, em 1961. "Pela minha ação como diretor de Pilote, quebrei os grilhões que aprisionavam as BDs". A frase de Goscinny pode parecer pretensiosa, mas é justa. Foi com os trabalhos apresentados naquela revista que o tal ar de censura dos anos anteriores começou a ser diluído pouco a pouco. Com a influência da Pilote e da convulsão social pós-68, começou a surgir material mais underground, como a revista Hara-kiri, unindo o melhor do que era feito na mundo (Buzzelli, Crepax, Muñoz, Schulz) e apresenteando uma nova geração de franceses, estreando uma nova forma de humor, o "Bête et Méchant", algo como "Burro e Mau". Um dos novatos da época, Wolinsky, é influência assumida do brasileiro Angeli e a Hara-kiri, por sua vez, inspirou a melhor revista brasileira de todos os tempos, a Chiclete com Banana.
Como as pedras estavam rolando e o limo sendo retirado, as BDs estavam prontas para sua maior revolução estilística e narrativa. A craição da revista mensal Metal Hurlant colocou definitivamente a produção francesa na vanguarda mundial, graças à modernidade gráfica e à qualidade editorial da nova publicação. Foi nela que Moebius (Jean Giraud) apresentou suas maiores obras-primas, voltadas especialmente para a fantasia e a ficção científica. A revista ganhou uma versão mais célebre, não necessariamente melhor, nos EUA, a Heavy Metal, que muitos citam sem mencionar a original gaulesa. É de material dessa qualidade, e de muitos outros artistas dos quais nem chegamos a falar (como o ótimo Jano que vai lançar em breve uma obra sobre o Brasil), de que é feita a Bande Dessinée. Sem dúvida uma das maiores contribuições da França e de seus países irmãos tanto para o universo pop, quanto para o underground - no mínimo tão importante quanto o cinema local e sem dúvida melhor que a música contemporânea deles, por exemplo.
Matéria originalmente escrita para o e-zine O Malaco e republicada no Marca Diabo
21.10.09
E mais HQ de FC em Floripa
O lançamento agora é o da estreia do game Taikodom - que já teve duas versões em livro publicadas - no mundo dos quadrinhos. Eterno Retorno é o nome da HQ, de autoria de Roctavio Castro nos roteiros e de Eduardo Ferrara na arte. Abaixo, o convite, que pode ser ampliado com um clique:
19.10.09
Quadrinhos de FC no Overmundo
Postei hoje uma contribuição no site Overmundo sobre uma HQ da qual já falei por aqui: Promessas de amor a desconhecidos enquanto espero o fim do mundo,do meu conterrâneo Pedro Franz. Abaixo, segue um trecho do meu texto, a íntegra pode ser lida e votada aqui:
Programada como uma série em 12 capítulos, com tamanho variando entre 12 e 16 páginas cada um, a HQ havia sido publicamente anunciada no dia 12 de abril deste ano, quando o quadrinista inaugurou o blog Notas sobre o fim por onde ele pretende publicar o material na íntegra, deixando-o disponível para download gratuito em arquivos em .pdf. O primeiro deles, surgiu no início de julho e o segundo no final de setembro. Além disso, ele abriu um fórum para discutir a obra e suas influências com sua audiência: “O objetivo deste espaço é aprofundar uma investigação que relacione teoria e prática e funcionar como ferramenta de relação entre autor e público” escreveu no blog. “Além de utilizá-lo para apresentar o projeto – ou seja, a história em quadrinhos – pretendo postar textos sobre a produção da obra, imagens, esboços, novidades, autores que me influenciaram.”
A série atual não é a primeira experiência de Franz com os quadrinhos. Entre 2002 e 2003 ele produziu duas edições de um zine chamado Café com Leite, mas como me disse em uma conversa num bar da cidade onde se passa sua história atual, não era algo sério ou pretensioso. Naquela mesma época, também foi convidado a participar de uma mostra de quadrinhos ligada ao Salão de Humor de Piracicaba, mas com proposta diferente daquela ligada ao título do famoso evento do interior de São Paulo: os trabalhos expostos não eram humorísticos. Então veio uma pausa nessa breve relação com o meio. Em um intervalo de meia década, ele morou por dois anos na capital da Argentina; recobrou o interesse pelas historietas; descobriu publicações daquele país, como a Fierro; e quando retornou ao Brasil e a seu curso acadêmico, na UFSC, apresentou como trabalho de conclusão do curso de design uma monografia ligada ao tema. “A quarta dimensão do trabalho de Breccia” acabou sendo agraciado, agora em 2009, com o troféu HQ Mix – mais importante prêmio dedicado ao quadrinho nacional. Nesse TCC, Franz procurou fazer a ponte entre HQs, design e arte ao analisar a obra do uruguaio Alberto Breccia (1919-93), o artista que mais admira neste meio. Outros autores que ele cita como possíveis influências são o argentino José Muñoz e o japonês Taiyo Matsumoto.
Nova série de coletâneas fantásticas
A literatura fantástica nacional conta com duas excelentes novidades: uma recém-inaugurada editora a apostar nesse nicho e uma série de coletâneas dedicada ao trio fantasia, FC e horror prestes a ser lançada. Draco, dragão em latim, é o nome da casa editorial e a série foi batizada com o nome que pode ser lido no logotipo abaixo.
A estreia desta boa-nova literária será no dia 28 de novembro, durante uma mesa redonda, seguida de autógrafos, com alguns dos autores participantes - vários deles com textos publicados neste blog. O local do evento, "Falando de Imaginários", é a livraria Cultura do Shopping Market Place, em São Paulo.
Pela lista de escritores - uma seleção de portugueses e de brasileiros, alguns novatos, outros já experientes - e pelo requinte gráfico das capas, esta parece ser uma coleção imperdível para os leitores da literatura de gênero lusófona.
A organização destes dois primeiros volumes ficou a cargo do trio Tibor Moricz, Saint-Clair e Eric Novello. O preço de cada edição está estipulado em R$ 22,90.
A estreia desta boa-nova literária será no dia 28 de novembro, durante uma mesa redonda, seguida de autógrafos, com alguns dos autores participantes - vários deles com textos publicados neste blog. O local do evento, "Falando de Imaginários", é a livraria Cultura do Shopping Market Place, em São Paulo.
Pela lista de escritores - uma seleção de portugueses e de brasileiros, alguns novatos, outros já experientes - e pelo requinte gráfico das capas, esta parece ser uma coleção imperdível para os leitores da literatura de gênero lusófona.
A organização destes dois primeiros volumes ficou a cargo do trio Tibor Moricz, Saint-Clair e Eric Novello. O preço de cada edição está estipulado em R$ 22,90.
15.10.09
Tarantino inédito
Um texto bem antigo sobre o diretor de Bastardos Inglórios
Por Romeu Martins
O esquema de distribuição de filmes no Brasil é coisa de doido. Se X-Men 2 chegou às nossas salas um dia antes de sua estréia nos próprios cinemas americanos (medo da pirataria foi a desculpa da época), o mais que esperado novo filme de Quentin Tarantino, Kill Bill, só aportará por aqui quatro meses depois do lançamento lá na matriz e em dezenas de outros países equipados com projetores e salas escuras. Sim, se desde outubro americanos, ingleses, argentinos e etc. já tiveram a oportunidade de conferir o fim de um bloqueio criativo de seis anos, nós só vamos ter a chance de assistir oficialmente ao quarto filme do diretor e roteirista mais comentado dos anos 90 em fevereiro de 2004. Ou melhor, a primeira parte do quarto filme do diretor e roteirista mais comentado dos anos 90, uma vez que o pessoal da Miramax resolveu chupar a estratégia de marketing do finado Matrix (que o Diabo o carregue) e também lançar um filme pelo preço de dois.
Atraso de quatro meses, bloqueio criativo de seis anos, marketing copiado de trilogia picareta... Tudo isso seria mais que suficiente para abortar qualquer expectativa, caso não estivéssemos falando do cara que há 10 anos criou o sensacional Cães de Aluguel, talvez o único filme que supere em termos de violência Sob o Domínio do Medo, do sempre nocivo Sam Peckimpah. O mesmo sujeito que dois anos depois voltava a surpreender com a estrutura complexa e os excelentes diálogos de Pulp Fiction. Tá certo que o raio se recusou a cair no mesmo lugar na terceira tentativa, e Jackie Brown foi bem meia boca (e também o único que não partiu de um roteiro original de Tarantino, mas sim de uma adaptação feita pelo diretor de um romance de Elmore Leonard).
Para quem não está afim de se aventurar a ver Kill Bill em uma cópia pirata com a costumeira qualidade medonha, nem tem grana para se mandar pra um país em que o filme esteja em cartaz, há uma chance de conferir trechos da obra tarantinesca que nunca passaram no cinema. A dica não é nova, mas continua valendo nesses tempos de expectativa; faz um tempo saíram no Brasil versões impressas dos roteiros do cara, quase todos com algum extra em relação ao que passou nas salas. A editora desses livros é a Rocco, a mesma responsável pelo lançamento da maior parte de bibliografia do imortal Paulo Coelho. Apesar deles terem lançado a obra completa do grande falastrão, vamos falar aqui só dos dois primeiros filmes roteirizados e dirigidos por ele, Cães de Aluguel e Pulp Fiction, já que Jackie Brown, além de ser fraco não apresenta diferenças marcantes entre o que tava escrito e o que foi filmado.
Cães de Aluguel foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes de 1992. Logo após, o próprio diretor veio apresentá-lo ao Brasil, onde foi devidamente esnobado pela crítica local, acusado de plagiar o Scorsese, essas coisas. Não demorou muito para a maior parte da crítica perceber que havia mais naquela história de assalto frustrado, policiais torturados e tiras infiltrados que apenas cópias e referências a filmes antigos. Cães de Aluguel abriu a picada para uma nova leva de diretores independentes, não só nos EUA, dispensando efeitos especiais tolos, astros adolescentes da moda e outras bobagens. No lugar disso tudo, ótimo roteiro e grandes atuações, ou seja, cinema puro, simples e direto. O roteiro deste que ainda é o melhor trabalho de Tarantino traz alguns extras bacanas e até uma entrevista com o figura. Resumindo, os trechos que não passaram no cinema são os seguintes:
· Logo no início, na cena que fez história com os cães de aluguel e seus ternos bacanas andando em direção da câmera, estava previsto um cartaz com o aviso: "Um desses caras é tira. No final estarão todos mortos, menos um";
· Foi cortado um diálogo entre Harvey Keitel (Sr. White) e o chefão do bando sobre mulheres e livros;
· Na melhor das cenas deletadas, é explicado por que White tem tanto ódio de agentes infiltrados: uma história sanguinolenta é narrada para o camarada que ficou com a missão de atuar camuflado dentro do bando. Essa parte merece virar curta-metragem, HQ, qualquer coisa do tipo;
· Joe (o chefão, interpretado por Lawrence Tierney) conta uma piada sobre como um francês, um americano e um polonês fazem para deixar suas mulheres loucas. No filme a cena foi substituída por outra em que o personagem reclama dos outros sujeitos por só ficarem contando piadas;
· Logo à frente, surge uma explicação do porquê da polícia não ter esvaziado a joalheria onde iria ocorrer o tal assalto, substituindo clientes e funcionários por agentes disfarçados;
· No último trecho relevante, apagaram um diálogo entre White e Eddie Legal (o Chris Penn) sobre as providências a se tomar para ajudar o cara que foi baleado durante o assalto.
Pulp Fiction, se não fosse pelo fato de ser um ótimo filme, já mereceria todos os prêmios que ganhou pela façanha de ter convencido uma divisão da Disney (a Miramax) a investir em uma história sobre pessoas com overdose de heroína, policiais sádicos e estupradores e assassinos religiosos. Bacana (ou cool, se preferir) até o osso e, com sua montagem louca, o filme não saiu da cabeça de quem o assistiu em 1994. O livrinho da Rocco com o roteiro não é tão recheado quanto o de Cães de Aluguel (sem entrevistas, só com um texto introdutório contando a importância de Tarantino), mas também revela seqüências que ficaram de fora do filme original:
· Um bom diálogo cortado estava previsto: era entre Vincent Vega (o papel da vida de John Travolta) e seu trafica Lance (Eric Stoltz). Na mesma seqüência em que Vincent compra a heroína que vai lhe trazer tanta dor de cabeça, Lance desata a falar de seu ódio sobre pessoas que dão informações erradas a motoristas perdidos;
· Na parte seguinte, quando Vincent vai bancar o acompanhante da mulher do seu patrão, foi abduzido o trecho em que Mia (Uma Thurman, a protagonista de Kill Bill , como se você não soubesse) banca a videomaker. Ela grava as opiniões de Vincent sobre filmes, seriados de TV e quadrinhos;
· Mais falas cortadas entre Vincent e Mia. Já na lanchonete estilo anos 50, os dois trocam informações sobre amigos em comum em Amsterdã e sobre os bares de haxixe de lá;
· Tá lembrado da cena em que Vincent acerta, acidentalmente, um tiro em um carinha dentro de um carro guiado por Jules (Samuel L. Jackson)? No cinema o sujeito morre na hora, no papel ele precisou levar um segundo tiro pra acabar com seu sofrimento;
· O papel que o próprio Tarantino faz era para ser um pouco maior do que vimos no cinema, com ele sendo mais rabugento;
· O Sr. Lobo (Keitel de novo) também teve falas cortadas, principalmente na seqüência no ferro-velho para onde foi levado aquele carro todo sujo de sangue e miolos.
Vale uma lida, ou até uma relida se você comprou os livros na época do lançamento, lá por 1997. Existem também à disposição os roteiros escritos por Tarantino e que foram dirigidos por outros caras e que de tão modificados daria um segundo texto por aqui. Por enquanto, basta dizer que Oliver Stone deixou Assassinos Por Natureza ainda mais insano e violento que o original e que Tony Scott eliminou a estrutura circular (tipo Pulp Fiction) de Amor à Queima-Roupa, além de arranjar o final feliz por conta própria. Já no caso de Kill Bill, o chefão da Miramax, Harvey Weistein, afirmou que ninguém mete a mão nas mais de 200 páginas do roteiro, daí a necessidade de dividir a produção em duas partes. Mas se isso é verdade e se valeu a aposta, só esperando até fevereiro.
Texto originalmente publicado no e-zine Marca Diabo
Por Romeu Martins
O esquema de distribuição de filmes no Brasil é coisa de doido. Se X-Men 2 chegou às nossas salas um dia antes de sua estréia nos próprios cinemas americanos (medo da pirataria foi a desculpa da época), o mais que esperado novo filme de Quentin Tarantino, Kill Bill, só aportará por aqui quatro meses depois do lançamento lá na matriz e em dezenas de outros países equipados com projetores e salas escuras. Sim, se desde outubro americanos, ingleses, argentinos e etc. já tiveram a oportunidade de conferir o fim de um bloqueio criativo de seis anos, nós só vamos ter a chance de assistir oficialmente ao quarto filme do diretor e roteirista mais comentado dos anos 90 em fevereiro de 2004. Ou melhor, a primeira parte do quarto filme do diretor e roteirista mais comentado dos anos 90, uma vez que o pessoal da Miramax resolveu chupar a estratégia de marketing do finado Matrix (que o Diabo o carregue) e também lançar um filme pelo preço de dois.
Atraso de quatro meses, bloqueio criativo de seis anos, marketing copiado de trilogia picareta... Tudo isso seria mais que suficiente para abortar qualquer expectativa, caso não estivéssemos falando do cara que há 10 anos criou o sensacional Cães de Aluguel, talvez o único filme que supere em termos de violência Sob o Domínio do Medo, do sempre nocivo Sam Peckimpah. O mesmo sujeito que dois anos depois voltava a surpreender com a estrutura complexa e os excelentes diálogos de Pulp Fiction. Tá certo que o raio se recusou a cair no mesmo lugar na terceira tentativa, e Jackie Brown foi bem meia boca (e também o único que não partiu de um roteiro original de Tarantino, mas sim de uma adaptação feita pelo diretor de um romance de Elmore Leonard).
Para quem não está afim de se aventurar a ver Kill Bill em uma cópia pirata com a costumeira qualidade medonha, nem tem grana para se mandar pra um país em que o filme esteja em cartaz, há uma chance de conferir trechos da obra tarantinesca que nunca passaram no cinema. A dica não é nova, mas continua valendo nesses tempos de expectativa; faz um tempo saíram no Brasil versões impressas dos roteiros do cara, quase todos com algum extra em relação ao que passou nas salas. A editora desses livros é a Rocco, a mesma responsável pelo lançamento da maior parte de bibliografia do imortal Paulo Coelho. Apesar deles terem lançado a obra completa do grande falastrão, vamos falar aqui só dos dois primeiros filmes roteirizados e dirigidos por ele, Cães de Aluguel e Pulp Fiction, já que Jackie Brown, além de ser fraco não apresenta diferenças marcantes entre o que tava escrito e o que foi filmado.
Cães de Aluguel foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes de 1992. Logo após, o próprio diretor veio apresentá-lo ao Brasil, onde foi devidamente esnobado pela crítica local, acusado de plagiar o Scorsese, essas coisas. Não demorou muito para a maior parte da crítica perceber que havia mais naquela história de assalto frustrado, policiais torturados e tiras infiltrados que apenas cópias e referências a filmes antigos. Cães de Aluguel abriu a picada para uma nova leva de diretores independentes, não só nos EUA, dispensando efeitos especiais tolos, astros adolescentes da moda e outras bobagens. No lugar disso tudo, ótimo roteiro e grandes atuações, ou seja, cinema puro, simples e direto. O roteiro deste que ainda é o melhor trabalho de Tarantino traz alguns extras bacanas e até uma entrevista com o figura. Resumindo, os trechos que não passaram no cinema são os seguintes:
· Logo no início, na cena que fez história com os cães de aluguel e seus ternos bacanas andando em direção da câmera, estava previsto um cartaz com o aviso: "Um desses caras é tira. No final estarão todos mortos, menos um";
· Foi cortado um diálogo entre Harvey Keitel (Sr. White) e o chefão do bando sobre mulheres e livros;
· Na melhor das cenas deletadas, é explicado por que White tem tanto ódio de agentes infiltrados: uma história sanguinolenta é narrada para o camarada que ficou com a missão de atuar camuflado dentro do bando. Essa parte merece virar curta-metragem, HQ, qualquer coisa do tipo;
· Joe (o chefão, interpretado por Lawrence Tierney) conta uma piada sobre como um francês, um americano e um polonês fazem para deixar suas mulheres loucas. No filme a cena foi substituída por outra em que o personagem reclama dos outros sujeitos por só ficarem contando piadas;
· Logo à frente, surge uma explicação do porquê da polícia não ter esvaziado a joalheria onde iria ocorrer o tal assalto, substituindo clientes e funcionários por agentes disfarçados;
· No último trecho relevante, apagaram um diálogo entre White e Eddie Legal (o Chris Penn) sobre as providências a se tomar para ajudar o cara que foi baleado durante o assalto.
Pulp Fiction, se não fosse pelo fato de ser um ótimo filme, já mereceria todos os prêmios que ganhou pela façanha de ter convencido uma divisão da Disney (a Miramax) a investir em uma história sobre pessoas com overdose de heroína, policiais sádicos e estupradores e assassinos religiosos. Bacana (ou cool, se preferir) até o osso e, com sua montagem louca, o filme não saiu da cabeça de quem o assistiu em 1994. O livrinho da Rocco com o roteiro não é tão recheado quanto o de Cães de Aluguel (sem entrevistas, só com um texto introdutório contando a importância de Tarantino), mas também revela seqüências que ficaram de fora do filme original:
· Um bom diálogo cortado estava previsto: era entre Vincent Vega (o papel da vida de John Travolta) e seu trafica Lance (Eric Stoltz). Na mesma seqüência em que Vincent compra a heroína que vai lhe trazer tanta dor de cabeça, Lance desata a falar de seu ódio sobre pessoas que dão informações erradas a motoristas perdidos;
· Na parte seguinte, quando Vincent vai bancar o acompanhante da mulher do seu patrão, foi abduzido o trecho em que Mia (Uma Thurman, a protagonista de Kill Bill , como se você não soubesse) banca a videomaker. Ela grava as opiniões de Vincent sobre filmes, seriados de TV e quadrinhos;
· Mais falas cortadas entre Vincent e Mia. Já na lanchonete estilo anos 50, os dois trocam informações sobre amigos em comum em Amsterdã e sobre os bares de haxixe de lá;
· Tá lembrado da cena em que Vincent acerta, acidentalmente, um tiro em um carinha dentro de um carro guiado por Jules (Samuel L. Jackson)? No cinema o sujeito morre na hora, no papel ele precisou levar um segundo tiro pra acabar com seu sofrimento;
· O papel que o próprio Tarantino faz era para ser um pouco maior do que vimos no cinema, com ele sendo mais rabugento;
· O Sr. Lobo (Keitel de novo) também teve falas cortadas, principalmente na seqüência no ferro-velho para onde foi levado aquele carro todo sujo de sangue e miolos.
Vale uma lida, ou até uma relida se você comprou os livros na época do lançamento, lá por 1997. Existem também à disposição os roteiros escritos por Tarantino e que foram dirigidos por outros caras e que de tão modificados daria um segundo texto por aqui. Por enquanto, basta dizer que Oliver Stone deixou Assassinos Por Natureza ainda mais insano e violento que o original e que Tony Scott eliminou a estrutura circular (tipo Pulp Fiction) de Amor à Queima-Roupa, além de arranjar o final feliz por conta própria. Já no caso de Kill Bill, o chefão da Miramax, Harvey Weistein, afirmou que ninguém mete a mão nas mais de 200 páginas do roteiro, daí a necessidade de dividir a produção em duas partes. Mas se isso é verdade e se valeu a aposta, só esperando até fevereiro.
Texto originalmente publicado no e-zine Marca Diabo
8.10.09
FC no podcast
Papo na Estante um podcast sobre literatura que sempre dá ênfase ao fantástico em todas as suas vertentes está concorrendo a um prêmio na área. Quem ainda não conhece o programa pode ouvi-lo e votar neste link.
É uma forma de conhecer um programa de ótima qualidade, feito por pessoas que realmente entendem do que estão falando, e ainda contribuir para dar relevância à literatura de gênero nacional.
3.10.09
O Sul é Pulp
Eu já havia postado por aqui o anúncio de uma publicação gaúcha, que atualmente se encontra no terceiro volume, dedicada à pulp fiction: a Ficção de Polpa da Não Editora. Agora fico sabendo de uma nova iniciativa com proposta semelhante de outro estado da Região Sul. É a revista Lama, também dedicada à fantasia, suspense & terror que vai ser lançada na capital paranaense no dia 7 de outubro, a próxima quarta-feira.
Agora só falta Santa Catarina seguir o exemplo dos vizinhos e também publicar seu modelo de pulp fiction para que esta Região seja 100% servida de embaixadores deste estilo literário. Algum conterrâneo se habilita?
Agora só falta Santa Catarina seguir o exemplo dos vizinhos e também publicar seu modelo de pulp fiction para que esta Região seja 100% servida de embaixadores deste estilo literário. Algum conterrâneo se habilita?
1.10.09
O Certo e o Necessário
Lições práticas da ética dos vampiros
Por Martha Argel
– Anjo vingador, Clara? Eu? Qualé, menina, que que você andou bebendo?! – Lucila me olhou rapidamente, riu e então engatou a primeira para andar uns poucos metros de Avenida Brasil antes de parar outra vez – Eu sou uma vampira, lembra?
Lá adiante o semáforo fechou de novo sem que nenhum carro tivesse conseguido cruzar a Nove de Julho. Congestionamento de começo de noite. O problema de combinar uma ida ao teatro (“A peça terá início pontualmente às 19:00. Não será permitida a entrada de retardatários”) com sua amiga morta-viva é que você não pode sair antes da hora do rush, a menos que queira como acompanhante um montinho de cinzas.
– Ser vampiro não impede que você tenha um senso de justiça. Você não mata inocentes, Lucila. Nós nos conhecemos há quanto? Meio ano? Nunca vi você matando e nem atacando quem não merecesse.
– E na tua opinião tem quem mereça ser morto, Clarinha? Puxa, você mudou ultimamente, tô impressionada. Agora é a favor da pena de morte.
Uma onda de irritação me invadiu e senti o sangue subir à cabeça.
– Você sabe o que eu quero dizer. Não distorça as minhas palavras.
Ela riu de novo.
– Tá. Então você acha que eu só mato quem merece ser punido, quem faz mal ao próximo, e que isso prova minha retidão de caráter. Minha postura de paladina da justiça, defensora da humanidade.
– Aparando um pouco as bordas do exagero, sim.
Foi nessa hora que o moleque encostou no carro. Eu sempre insisto com a Lucila pra que ela ande com os vidros fechados. Ela sempre ri e responde que eu não estou entendendo o espírito da coisa. O vidro dela, claro, estava totalmente baixado.
Um braço fino e sujo enfiou um maço de rosas feias pela janela. Ao mesmo tempo, um caco de vidro tocou o pescoço da vampira.
– Aí, tia, passa a grana e tu sai na boa, certo? – chapado, olhos de quem tá pra lá de Bagdá.
Cacete, que susto. Abafei um grito de medo. Mas Lucila foi rápida.
- Não grita e não reage!
A Voz vampírica. É claro que ele não ia gritar e nem reagir.
A vampira segurou o braço e com delicadeza tirou o buquê de rosas de entre os dedos magros, entregando-o a mim. E então mordeu o pulso do moleque enterrando fundo as presas que de repente tinham se alongado, ameaçadoras, ferais. Seus olhos se fecharam em êxtase e vi, pelo movimento da garganta, que golfada após golfada de sangue iam sendo engolidas. Minutos escoaram. Por fim os dentes se afastaram da carne.
– Dá o fora. Esquece o que aconteceu. E nunca mais assalta ninguém.
O moleque sumiu. A vampira se recostou contra o banco e sorriu de satisfação.
– Bonitas flores – disse ela. – Um presente meu pra você. Que tal retribuir me oferecendo teu pescoço?
– Tá vendo o que eu digo? – perguntei eu, ignorando a brincadeira besta.
– Não tô vendo nada. O que você quer dizer?
– Seu senso de justiça.
– Que senso de justiça?
– A aulinha de moral, Lucila. Tua ordem pra ele nunca mais assaltar ninguém. Comovente. Uma contribuição vampírica pras campanhas sociais contra a violência.
Os olhos dela faiscaram em minha direção.
– Esse moleque tá sempre por aqui, Clara. Você passa sempre por aqui, de carro, sozinha. Eu ia odiar que ele te machucasse. Aí sim você ia ver o que que é senso de justiça.
– Você não me convence. Além disso, você se controlou, não pensa que eu não percebi. Podia ter tomado mais e não tomou. Parou antes de fazer algum mal pra ele.
– No meio da rua, menina? Em público? Seria arriscar demais por muito pouco.
– Nem vem, eu te conheço. Você podia continuar chupando até ele quase perder os sentidos. Então ele ia se afastar cambaleando. Nada errado, só mais um moleque drogado. Ia desabar em algum canto por aí e pronto. Morresse ou não, ninguém nunca ia desconfiar de nada.
Ela deu de ombros.
– Não complica, Clara. Parei porque estava a fim de parar.
– Não, acho que não foi por isso.
– E por que foi, então, dona sabichona?
– Porque você achou que ele não merecia. Pelo seu senso de justiça, ele não merecia morrer.
Ela me olhou de um jeito esquisito. Eu não gostei. Ela desviou os olhos para fora, para a massa de carros imóveis e impacientes. Uma menina se aproximava, vendendo chocolates. Lucila a chamou. Ela veio. Lucila pediu que chegasse ainda mais perto. Ela chegou. Se debruçou na janela. Lucila lhe disse ao ouvido algo que não ouvi. Ela se endireitou e se afastou em direção ao canteiro central. Parecia em transe.
Eu estava gostando cada vez menos daquilo.
– Lucila... – comecei, um pressentimento ruim me invadindo.
– Fica olhando, Clarinha.
O semáforo abriu. No sentido oposto, os primeiros carros avançaram pela avenida vazia. Um Palio amarelo arrancou apressado, como se defendesse a pole position. Não teve tempo de desviar quando a menina dos chocolates se jogou na frente dele.
– Lucila! – gritei horrorizada.
A vampira acelerou junto com o trânsito que finalmente se movia e a cena do acidente que não tinha sido acidente e sim crime premeditado ficou para trás. Mas ela se repetia e repetia em minha mente, em minhas retinas.
Eu estava chocada, sem ação, incapaz de entender o gesto tão cruel quanto gratuito.
– Ela merecia, Clarinha? – perguntou a vampira Lucila, com voz suave.
– Você não precisava fazer aquilo! – gritando, quase histérica.
– Como não precisava? Não foi eficiente pra provar que você estava completamente enganada?
– Pelo amor de Deus, Lucila! Aquela menina não fez mal nenhum pra ninguém!
– E...?
Engoli em seco e calei a boca. Ia ter de reavaliar minhas teorias. Culpa delas que uma pessoa inocente tivesse sido ferida, talvez até estivesse morta. Culpa de minha ingenuidade. Culpa minha. Me senti uma assassina.
O resto da noite foi uma merda.
Mas só pra mim.
Lucila se divertiu horrores com a peça.
Por Martha Argel
– Anjo vingador, Clara? Eu? Qualé, menina, que que você andou bebendo?! – Lucila me olhou rapidamente, riu e então engatou a primeira para andar uns poucos metros de Avenida Brasil antes de parar outra vez – Eu sou uma vampira, lembra?
Lá adiante o semáforo fechou de novo sem que nenhum carro tivesse conseguido cruzar a Nove de Julho. Congestionamento de começo de noite. O problema de combinar uma ida ao teatro (“A peça terá início pontualmente às 19:00. Não será permitida a entrada de retardatários”) com sua amiga morta-viva é que você não pode sair antes da hora do rush, a menos que queira como acompanhante um montinho de cinzas.
– Ser vampiro não impede que você tenha um senso de justiça. Você não mata inocentes, Lucila. Nós nos conhecemos há quanto? Meio ano? Nunca vi você matando e nem atacando quem não merecesse.
– E na tua opinião tem quem mereça ser morto, Clarinha? Puxa, você mudou ultimamente, tô impressionada. Agora é a favor da pena de morte.
Uma onda de irritação me invadiu e senti o sangue subir à cabeça.
– Você sabe o que eu quero dizer. Não distorça as minhas palavras.
Ela riu de novo.
– Tá. Então você acha que eu só mato quem merece ser punido, quem faz mal ao próximo, e que isso prova minha retidão de caráter. Minha postura de paladina da justiça, defensora da humanidade.
– Aparando um pouco as bordas do exagero, sim.
Foi nessa hora que o moleque encostou no carro. Eu sempre insisto com a Lucila pra que ela ande com os vidros fechados. Ela sempre ri e responde que eu não estou entendendo o espírito da coisa. O vidro dela, claro, estava totalmente baixado.
Um braço fino e sujo enfiou um maço de rosas feias pela janela. Ao mesmo tempo, um caco de vidro tocou o pescoço da vampira.
– Aí, tia, passa a grana e tu sai na boa, certo? – chapado, olhos de quem tá pra lá de Bagdá.
Cacete, que susto. Abafei um grito de medo. Mas Lucila foi rápida.
- Não grita e não reage!
A Voz vampírica. É claro que ele não ia gritar e nem reagir.
A vampira segurou o braço e com delicadeza tirou o buquê de rosas de entre os dedos magros, entregando-o a mim. E então mordeu o pulso do moleque enterrando fundo as presas que de repente tinham se alongado, ameaçadoras, ferais. Seus olhos se fecharam em êxtase e vi, pelo movimento da garganta, que golfada após golfada de sangue iam sendo engolidas. Minutos escoaram. Por fim os dentes se afastaram da carne.
– Dá o fora. Esquece o que aconteceu. E nunca mais assalta ninguém.
O moleque sumiu. A vampira se recostou contra o banco e sorriu de satisfação.
– Bonitas flores – disse ela. – Um presente meu pra você. Que tal retribuir me oferecendo teu pescoço?
– Tá vendo o que eu digo? – perguntei eu, ignorando a brincadeira besta.
– Não tô vendo nada. O que você quer dizer?
– Seu senso de justiça.
– Que senso de justiça?
– A aulinha de moral, Lucila. Tua ordem pra ele nunca mais assaltar ninguém. Comovente. Uma contribuição vampírica pras campanhas sociais contra a violência.
Os olhos dela faiscaram em minha direção.
– Esse moleque tá sempre por aqui, Clara. Você passa sempre por aqui, de carro, sozinha. Eu ia odiar que ele te machucasse. Aí sim você ia ver o que que é senso de justiça.
– Você não me convence. Além disso, você se controlou, não pensa que eu não percebi. Podia ter tomado mais e não tomou. Parou antes de fazer algum mal pra ele.
– No meio da rua, menina? Em público? Seria arriscar demais por muito pouco.
– Nem vem, eu te conheço. Você podia continuar chupando até ele quase perder os sentidos. Então ele ia se afastar cambaleando. Nada errado, só mais um moleque drogado. Ia desabar em algum canto por aí e pronto. Morresse ou não, ninguém nunca ia desconfiar de nada.
Ela deu de ombros.
– Não complica, Clara. Parei porque estava a fim de parar.
– Não, acho que não foi por isso.
– E por que foi, então, dona sabichona?
– Porque você achou que ele não merecia. Pelo seu senso de justiça, ele não merecia morrer.
Ela me olhou de um jeito esquisito. Eu não gostei. Ela desviou os olhos para fora, para a massa de carros imóveis e impacientes. Uma menina se aproximava, vendendo chocolates. Lucila a chamou. Ela veio. Lucila pediu que chegasse ainda mais perto. Ela chegou. Se debruçou na janela. Lucila lhe disse ao ouvido algo que não ouvi. Ela se endireitou e se afastou em direção ao canteiro central. Parecia em transe.
Eu estava gostando cada vez menos daquilo.
– Lucila... – comecei, um pressentimento ruim me invadindo.
– Fica olhando, Clarinha.
O semáforo abriu. No sentido oposto, os primeiros carros avançaram pela avenida vazia. Um Palio amarelo arrancou apressado, como se defendesse a pole position. Não teve tempo de desviar quando a menina dos chocolates se jogou na frente dele.
– Lucila! – gritei horrorizada.
A vampira acelerou junto com o trânsito que finalmente se movia e a cena do acidente que não tinha sido acidente e sim crime premeditado ficou para trás. Mas ela se repetia e repetia em minha mente, em minhas retinas.
Eu estava chocada, sem ação, incapaz de entender o gesto tão cruel quanto gratuito.
– Ela merecia, Clarinha? – perguntou a vampira Lucila, com voz suave.
– Você não precisava fazer aquilo! – gritando, quase histérica.
– Como não precisava? Não foi eficiente pra provar que você estava completamente enganada?
– Pelo amor de Deus, Lucila! Aquela menina não fez mal nenhum pra ninguém!
– E...?
Engoli em seco e calei a boca. Ia ter de reavaliar minhas teorias. Culpa delas que uma pessoa inocente tivesse sido ferida, talvez até estivesse morta. Culpa de minha ingenuidade. Culpa minha. Me senti uma assassina.
O resto da noite foi uma merda.
Mas só pra mim.
Lucila se divertiu horrores com a peça.
São Paulo, 23 de setembro de 2003
(menos de uma hora depois do início da primavera)
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